Vocês na
certa se lembram duma tal de EPL, que é acróstico de Empresa de Planejamento e
Logística. Há uns tempos escrevi sobre essa assombração.
A EPL foi criada
em 2012 pelo Governo Federal como forma de concentrar o planejamento do
trem-bala em uma só estatal.
Vocês na
certa também se lembram que o famigerado trem-bala foi “esquecido” de fininho
pela nossa valorosa Anta e seus cupinchas stalinistas. Não se falou mais no
assunto (o que seria bom em outras circunstâncias).
Teria ficado
mais ou menos por isso mesmo não fosse a nossa benfazeja EPL.
No annus horribilis de 2012 essa nova estatal
foi fundada pela Gênia da Raça com, vejam só que modéstia, parcos 65 abnegados “servidores”
públicos. Obviamente pensando nada mais, nada menos que no bem do País,.
Eis que,
leio n’O Globo, com o projeto do
trem-bala literalmente cancelado e a ideia de gastar incontáveis bilhões no trenzinho
de brinquedo aposentada, a tal EPL hoje tem... Tchan tchan tchan... 161 barnabés!
certamente dando o maior duro para ver se o Brasil desta vez deslancha. O
jornalista d’O Globo ainda teve a
paciência de comentar que o número de funcionários da EPL já chegou a 185, “mas foi reduzido pelo ajuste fiscal” au
au au. E fez mais: foi pedir uma satisfação à EPL. E a empresa emitiu uma nota,
“explicando” que o aumento foi necessário para atender às demandas do Plano de
Investimentos em Logística (conhecido por PiL, mas o acrônimo correto seria
AI! AI! AI!).
Vocês também
sabem que hoje dispomos de mais ou menos 600 mil incansáveis trabalhadores, encostados
apenas na administração federal, dando
o sangue pelos demais brasileiros. Não faço ideia de quantos cristãos temos em
todas as repartições públicas sertão afora, incluindo as estaduais e municipais.
Dois milhões? Cinco milhões? O chute é a serventia (epa!) da casa. Desses 600
mil, cerca de 144 mil foram adotados paternal e maternalmente de 2003 em diante,
annus mirabilis da fantástica e
triunfal entrada do lulopetismo no Palácio do Planalto.
Essa pequena
quantidade de altruístas me comove às lágrimas. Trata-se de pessoas caridosas,
filantropas mesmo, movidas tão-somente pelo ânimo de ajudar a família
brasileira a galgar a pirambeira do progresso. Pois são esses benfeitores os
responsáveis pelo Sistema Universal de Saúde, que finalmente atinge a absoluta perfeição
depois de subir o estágio do “quase” definido pelo então presidente Lulla há
alguns anos. Vocês todos estão cientes de que a ótima saúde do nosso povo hoje
está nas mãos dos competentíssimos “médicos” cubanos – e nas garras dos
igualmente piedosos hermanos Castros. E se ainda pouco fosse, Fidel e Raulzito nos
cobram apenas dois bilhões de reais anualmente pelo empréstimo de sei lá
quantos milhares de auxiliares de enfermagem, digo, profissionais da saúde. Bufunfa
que a nossa presidAnta corre a pagar lampeira da vida. Essa é patriota ou não é?
Nossos nobres
servidores públicos estão ainda a cargo da eficiente operacionalidade da
azeitadérrima máquina de fazer justiça deste país-continente. Tá certo que às
vezes um ou outro processo pode demorar até 12 anos para ser julgado, sendo que
a média deve pairar aí pelos seis, sete aninhos. Mas quem tá com pressa,
afinal, não é mesmo? Olha que a afobação pode elevar a pressão sanguínea e você
é bem capaz de ir parar lá no... SUS. É isso que ocê tá querendo, é? E esses
carinhas enfiados no Sistema Judiciário, pobres, são verdadeiros operários de Têmis,
a deusa grega da Justiça. Só pra ter uma ideia, veja você que alguns
magistrados, já envergando o lustroso e listrado pijama da aposentadoria,
embolsam parquíssimos 180 mil reais todo santo mês. INCLUSIVE OS APOSENTADOS
COMPULSORIAMENTE por medida disciplinar por terem enfiado as finas mãozinhas no
bolso alheio. É uma judiação ou não é? Esses os que já penduraram a chuteira. Pois
os ainda na ativa, além do contracheque farto, recebem castos benefícios como auxílio-creche
por filho de até 6 anos, auxílio-educação por filho de até 24 anos na faculdade,
180 dias de licença-maternidade, 90 de aleitamento, três a cinco salários
mínimos por adoção até o filho ter 24 anos, reembolso de consultas particulares,
passagens de avião para tratamento de dependentes, 10% do salário para custear
a saúde, até R$ 15 mil por ano para livros jurídicos e materiais de informática,
tudo isso sem necessidade de apresentar recibos fiscais (fala a verdade, essa
gente é de confiança, precisa comprovar nada não), etecétera, etecéétera, etecééétera.
E pela
ribanceira vai, que descer é mais maneiro que subir. Na Segurança Pública temos
um exército de policiais civis e militares administrativos que colocam suas ilustres
vidas em risco sob o ar-condicionado de seus frugais gabinetes que recebem
incontáveis mamatas e se aposentam com faustosos salários. Contam as más línguas
que até pouco tempo as filhas de militares do Exército, da Marinha e da Aeronáutica
não se casavam de papel passado porque na condição de solteiras podiam levar
uma ligeira pensão mensal até o fim de suas existências produtivas e úteis para
o idolatrado Berção.
Na Educação alguns
professores de universidades públicas faturam até cem salários mínimos e também
vestem o pijama com provimentos nas nuvens. Até ontem a maioria saía correndo
para assegurar a vida boa já aos quarenta e poucos anos.
Quando a
questão é Previdência Social, o ônus recai quase todo sobre os ombros do
trabalhador privado. Até onde sei, os funcionários públicos se aposentam com
salário integral e os brasileiros de segunda classe, os que não têm
estabilidade no emprego, os que vivem à mercê dos humores e chiliques do
livre-mercado, esses, em sua imensa maioria, são contemplados com a estupenda
pensão de um salário mínimo, mais, muito mais que suficiente para cobrir suas
necessidades básicas e ainda guardar algum para um ônibus até o centro no fim
do mês para levar a criançada conhecer o Viaduto do Chá.
Além da delícia
de ter um emprego praticamente vitalício – o sujeito precisa cometer uma
asneira muito das colossais para ir pro olho da rua –, conceitos como meritocracia,
excelência, qualidade de trabalho, competência e eficiência em geral passam
longe do ambiente das “repartições”. O servidor público parece habitar um mundo
estranho em que não é preciso mostrar serviço. Isso de agradar o cliente – no caso,
nós que pagamos os salários deles – tá por fora. No funcionalismo o cliente nunca
tem razão. E vai reclamar do mau atendimento numa delegacia, numa unidade de saúde,
numa escola. Tu leva uma bifa no meio das ideias, que é pra largar a mão de ser
besta. Não é à toa que em muitas repartições eles pregam aquele aviso ominoso:
OFENDER FUNCIONÁRIO PÚBLICO É CRIME.
Nós, clientes
dos funcionários públicos, devemos aprender muito cedo em nossas vidinhas ordinárias
que eles formam a casta que em última instância manda em tudo. E em todos.
Manda,
primeiramente, nos políticos. Ou você já ouviu um deputado ou um senador
declarar que ia cortar as benesses dos marajás? Collor bem que tentou, e só por
isso merecia uma estátua, mas acabou nos dando nada mais que um baita prejuízo,
pois tivemos de indenizar os servidores que o caçador daquilo roxo tinha
despedido. Mesmo dos marajazinhos, os picuás que estão lá em baixo na pirâmide,
sem aquele salário de ministro do Supremo, mesmo esses estão com a vida feita.
E a casta manda
também nos jornalistas. Ou você já leu algum deles escrever que o funcionalismo
no Brasil é uma classe privilegiada, com muitos direitos e poucos deveres, que
recebe tratamento diferenciado, em detrimento de 95% da população? Inclusive
jornalistas tidos por direitistas como Reinaldo Azevedo?
Claro que não.
Ninguém, literalmente ninguém tem peito para enfrentar essa que é a quintessência
do corporativismo. Os barnabés têm a força!
E vai
perguntar se eles são contra ou a favor da privatização das estatais. Não teria
nem graça, não é? Mais estatais, mais vagas, mais concursos, mais barnabés. Tudo
no lombo do brasileiro da segunda divisão.
E sabe qual é
o mais engraçado de tudo?
O mais
engraçado de tudo é que esses autênticos humanitários vivem em greve. E se alguém
na administração pública alega que não há verba disponível para aumentar seus
salários, eles botam as bocarras no trombone, armam piquete, fazem cena diante
dos fotógrafos, batem os pés no chão de tanta raiva, descontam no coitado da
segunda classe que de repente fica sem metrô ou trem, sem hospital, sem polícia.
Por essas e
outras nos últimos anos uma nova legião despontou no horizonte: os concurseiros. A máquina
não pode parar, é claro. Os que se aposentam, adoecem ou morrem têm de ser
substituídos. Mas depois que lulla inventou a lorota de que o estado deve ser
maior que a nação, prestar concurso virou profissão. Todo mundo e seu professor
de cursinho quer descolar uma boquinha. A gente também é de carne e osso,
certo?
Quanto a
mim, sou, de fato. Mas devo acrescentar, até mesmo para deixar claro que esta minha
indignada invectiva não é algum tipo de acerto de contas particular, que há
alguns anos passei em dois concursos para bancos federais e no fim optei por não
preencher a vaga. Além disso, trabalhei dois anos em empresa estadual onde
poderia ter me efetivado mas não o fiz. Não o fiz porque fiquei enojado das
pessoas que lá trabalhavam, quase todas adeptas da preguiça institucionalizada,
e dos esquemas praticados por cada departamento. Um desses esquemas era o
seguinte: em outubro de cada ano o chefe verificava que a dotação orçamentária
daquele ano não seria inteiramente gasta até o final de dezembro. Então nos
reunia a todos e explicava, “Caras, se não
gastarmos o orçamento integral agora, ano que vem eles reduzem a verba, estão
entendendo? Precisamos resolver a situação”. Aí nos dava a cada um uma
lista de fornecedores e um montante a despender, lembrando, “Não se esqueçam de pedir nota fiscal!” E
lá se ia a grana do contribuinte pelo ralo.
A cultura
brasileira se deixou inocular por essa estranha praga que leva o sujeito a
pensar que o estado é um ente abstrato, que o estado fabrica riqueza, que o
pagador de impostos tem infinita capacidade de ser taxado e taxado e taxado
para levar no lombo esse devorador de verbas e impostos. E não é de agora. Os personagens
dos romances do século 19 em grande parte têm empregos públicos. Pelas obras de
Machado e de Lima Barreto, por exemplo, desfilam generais, coronéis, majores e
milicos em geral, cônsules, embaixadores, juízes a dar co’ pau. Tudo levando
aquilo que esse tipo de gente costuma pedir àquele ser onipotente. Até mesmo o beau monde da intelectuália dava preferência
a uma sinecura estatal que permitisse ao doutor das letras aliviar o peso da
cruz. Entre os poetas, romancistas, cronistas e intelecas que duma forma ou de
outra arrancaram uma prebenda pública temos Drummond, Paulinho Mendes Campos, Guimarães
Rosa, João Cabral de Melo Neto, Lima Barreto, Machado de Assis, Vinícius, Sérgio
Buarque de Holanda, Antônio Candido, Gregório de Matos, Mario de Andrade, Benedito
Nunes, Ariano Suassuna, Celso Furtado, Euclides da Cunha, Manuel Bandeira, João
Ubaldo Ribeiro, Murilo Mendes, Graciliano Ramos, ufa! E não ouse dar um pio que
seja contra essa plêiade de barnabés. A própria crítica literária vê com muito
bons olhos que essa gente arranje uma teta no estado para poder se dedicar a
seus misteres artísticos na maciota. Em geral muito suor na testa atrapalha na
hora de contar os decassílabos.
O grande
arranca-rabo ideológico que toma conta da mídia e da imprensa e monopoliza a
atenção de todos os brasileiros interessados nos rumos do País passa longe desta
que é, para mim, a torcida de rabo da porca. Não avançaremos nas soluções das
calamidades que nos assolam enquanto essa questão não for enfrentada. A recusa
em discutir o papel – e o peso – do funcionalismo público no quadro econômico,
político e social trava e continuará travando o debate. Lulopetistas e
esquerdistas em geral têm os servidores como cúmplices, mais que simpatizantes.
Eis mais uma razão por que a esquerda nunca, jamais será solução para nenhum
dos nossos imensos problemas. E os ditos liberais, se é que o são de verdade,
tremem de medo de botar o tema na mesa.
Resultado:
parecem estar todos falando do sexo daquele serzinho alado que não tem sexo.
A elite à direita
e à esquerda, ao lado do grande empresariado, da banca e dos políticos, é o funcionário
público.
Na crise que
ora atravessamos, das mais sérias das últimas décadas, milhões estão perdendo não
apenas o emprego mas também bens básicos como suas próprias casas. Muitos perdem
tanto o plano de saúde quanto a própria saúde. O barnabé, em contrapartida,
apenas tem seus reajustes salariais postergados. E ainda choraminga.
E olha que a
tal da EPL não tem nada de exceção não senhor. Parece ser é a regra. Dizem que
atualmente nós pagadores de impostos labutamos mais de cinco meses a cada ano
para carregar esse fardo nas costas. Os fanáticos agora querem ressuscitar a
CPMF. Vê se tem algum barnabé fazendo passeata contra...