"O Brasil tem 42,6
milhões de pobres, [e] a maioria deles se sentiu favorecida nos últimos
4 anos. O resto é detalhe".
Adivinha quem emitiu este
brilhante enunciado. Bidu. Dimenstein Confuso na Folha. Pano rápido, por
obséquio. Que insuportável vontade de dormir.
Eu que comi aquele aditivinho
besta ali. Se encontrasse Dimenstein Confuso na esquina, perguntaria, diz uma
coisa, pra que é que você mete esses aditivos bestas nessas tuas frasesonas
diabéticas recendendo a prudência putrefata? Pode confessar sem medo. Já tomei
minha meia caixa de Closal. Tô calmo feito um querubim atropelado pelo ônibus
espacial do Pequeno.
Minha relação com jornais
sempre foi, vírgula, conflituosa. Não gosto de nada que tenha mais poder que
eu. Gente, então, aversão assassina ao primeiro cheiro. Não tenho,
lalarila-ri-rá, "praticamente" nenhum. Portanto, se me permitem uma
singela conjunção coordenativa conclusiva, venho mifu em grande estilo desde o
dia em que a cegonha, num gesto de tremenda falta de caráter que lhe é tão
peculiar, me largou pelado e virgem e analfabeto no Leão XIII, saravá meu Hemingway,
bem em frente logo de que, sim, as margens plácidas. Era só atravessar a av. Nazareth.
Tento imaginar a epopéia de mamãe, bolsa irrecorrivelmente estourada, procurando
um vizinho com carro, queimando o chão de Sanca, este pobre sofredor lutando
com todas suas parcas forças para prosseguir pelo menos até os 18 anos no
bastião uterino, bon dieu, como padece uma criatura nestes tolos tristes
trópicos. Passei lá outro dia, o hospital virou faculdade, lalarila-ri-rá. A
sala onde vim ao mundo agora provavelmente é a câmara onde os alunos torturam
professorinhas no pau-de-arara. São risonhos destes lindos campos os gritos e
sussurros do Ipiranga.
Dimenstein é um dos piores
textos da imprensa. Soporiferamente estudado. A pontuação reluz até em Platão. Dimenstein
é pródigo em orações explicativas, apostos. Oitocentas vírgulas, parênteses,
travessões por centímetro quadrado. Não deixa a leitora se perder um segundo,
agarra o pulso da bicha e não larga nem a cacetada, aperta até ficar roxo, é no
entanto o fato do ponto de vista a questão a verdade, o infalível, senhor tende
piedade deste cordeiro que nasceu com todos os nervos expostos, de resto. Fico
imaginando as lavadas que Confuso levava da professorinha quando vinha de casa
com sua dissertação Minhas Férias. Nos nossos tempos sentíamos na carne. Tenho
os galos dos coques de dona Isaltina ainda hoje nesta minha cachola kingsize que
alguns tomam por bomba prestes a explodir, não, explico, paciente que sou. Obra
da minha primeira professorona.
Depois de Paulo Francis acabou
o prazer de ler jornal. Sobraram bocozinhos carreiristas campeões do
politicamente korreto que faturam um extra dando palestras em escolas sob estes
desolados céus encardidos de graxa. Eu sabia que Francis ia morrer um dia. Só
não contava que fosse antes de mim. A Folha uns tempos chegou a trazer na mesma
edição Francis, Flávio Rangel, Drummond. O colosso de Itabira era sacal. Eu
ficava enfarado no primeiro parágrafo, me divertia, tu pode, meu gauche. Perto
de Francis tudo era mortiferamente sacal.
Ferreira Gullar chegou na
Folha meio triunfalista, prometendo arrotar seus resmungos no meio do salão.
Pfiu. Pauladas elegantes e finas em lula à parte, decepcionante. Gullar podia
muito, muito mais se quisesse. Tem de pensar na carreira. Chato.
42,6 milhões de pobres votaram no Pequeno. A
sucessão de tentativas de golpe branco são detalhe. A instalação no centro do
poder do que o procurador geral da República qualificou de quadrilha dos 40 é
detalhe. Como costuma diagnosticar o Lacerda com quem engulo sôfrego uns
rabos-de-galo no buteco sob o lusco de cada dia e o fusco de cada tarde, a
flacidez moral come solta. Chato.