Em artigo que já é dos mais
comentados nos blogs políticos deste Brasilzão velho de guerra (tradutores,
atenção, é assim que ainda se escreve em português e não o bom e velho Brasilzão), a
revista The Economist sugeriu à presidente Dilma
Rousseff que o País não sairia do atoleiro enquanto o ministro das nossas
finanças fosse o valoroso Guido Mantega.
Cá pra nós, a publicação inglesa,
que é considerada a mais importante e a mais influente do Hemisfério Ocidental,
deu uma tremenda bola fora.
Explico: o ministro não estava lá
tão estável no cargo quando o artigo pedindo sua cabeça saiu a público. Alguns
rumores aqui e ali tinham que a pobreza do pibinho do terceiro trimestre
do corrente lhe custaria o emprego, talvez ainda este ano.
Foi então que a Economist pegou e azedou o caldo de nós brasileiros que aprendemos desde o berço que a esperança etc. (E pensar que a estas alturas o Mantega poderia ter virado pó e cedido seu lugar ao... Mercadante? O Delfim? O Luciano Coutinho?)
Assim que seus assessores lhe
contaram sobre o malfadado artigo (ou tê-lo-á ela lido? será quê...?), a
valente ex-companheira de armas do Zé Dirceu, num primeiro
momento, ficou lívida de raiva. Na sequência (como dizem os repórteres da tevê),
seus globos oculares começaram a girar desvairados, afligindo alguns dos
assessores que temeram por algum tipo de ataque nervoso ou convulsão. Então,
subitamente, a mulher lascou um tabefe (sabem como são essas coisas...) na
escrivaninha do Gabinete Presidencial. Mas foi um bofetão tão formidável,
mas tão formidável, que — sempre segundo os citados
auxiliares — o monitor de cristal líquido pulou a quase meio metro de
altura e só não saiu voando com rumo desconhecido porque um dos pressurosos
assistentes presidenciais aquele dia não estava de ressaca e logrou interceptar
o acessório ainda em sua errante trajetória pelos ares.
[PANO RÁPIDO]
Pobre menina.
Sim, tenho pena.
Me permitam. Mas também explico.
Não, nada há de tripúdio em minhas
palavras. Ou ironia. Muito menos deboche.
Enquanto escrevia os parágrafos
acima, me senti realmente comiserado dessa mulher e fiquei pensando em sua
origem, suas fantasias de adolescente rebelde (quem entre os doze e os quinze
anos não sonhou em mudar o mundo?), as cabeçadas na juventude que acabaram
por se revelar temerárias e muitas vezes trágicas.
Nesse aspecto (e não vou especular
sobre outros; alhures talvez), Dilma é absolutamente diferente desse que se
tornou [tapando o nariz] ídolo das multidões.
Não sei qual era a idade de Lula
quando se envolveu com o sindicalismo. Tampouco sei até onde se envolveu e até
onde foi envolvido. Tantas coisas acontecem em nossa vida ao longo dum período
de décadas que acabam por determinar nosso "destino" quase que à nossa revelia, não é
mesmo? (Naturalmente, me refiro a pessoas não excepcionais, as dotadas desde o
útero duma vocação tão determinada para uma área qualquer da atividade humana, que
acidentes pouco influem em seus "destinos".)
Calculo aqui comigo que Lula, já entrando
na maturidade, provavelmente não se perdeu em maiores dilemas. Deve ter sacado
com relativa precocidade seu talento para o "trato com as pessoas"
(as aspas vão por conta da honestidade, muitas vezes duvidosa, desses dotados de traquejos sociais). Provavelmente, ainda na casa dos vinte, já se imaginava numa posição
profissional e socialmente importante. Não a Presidência da República, tenho
quase certeza. Mas soube desde cedo onde o galo canta. Circunstâncias
políticas, econômicas e sociais cuidaram do resto. (Atenção: especulo. Não
conheço a história pessoal do gajo. Apenas a imagino.)
Ah, mas a nossa pobre menina Dilma.
Direto duma (com perdão da aliteração) loja de um e noventa e nove para o
Palácio do Planalto praticamente sem escala. Jesus.
Bem, vou divagando aqui sozinho
comigo mesmo na esperança de que meus quase três leitores me deem um desconto.
Vejam, é apenas um exercício, digamos, intelectual.
Dilma é a nossa (nossa, credo!
deles!) João Baptista Figueiredo. O general que desejava tudo na vida, menos
ser galgado ao mais eminente posto da nação e do estado pelo seu superior, o simpático Ernesto Geisel. (Se governasse hoje, Geisel na certa enfrentaria protestos pelo país afora contra sua sisudez. O povão topa se deixar ludibriar, desde que seja por um falastrão com pinta de boa-praça, malandro e dado a piadinhas frívoloas.) Figueiredo parece ter padecido de tanto
sofrimento durante seu mandato, que nas duas ou cinco vezes em que se
manifestou de público (ai que saudade que dá!) deixou algumas pérolas que
entraram para o nosso rico bestialógico político. Minhas preferidas são
"Prefiro cheiro de cavalo a de povo" e "Quero que me
esqueçam", esta última após cumprir o papel que os militares lhe haviam
designado de devolver o bastão aos civis. (Fala sério, quem imaginava que
terminaríamos nessa quizília em que nos achamos agora? Pois é, dá o que
pensar...)
Ao contrário do João Baptista, Dilma
queria, naturalmente. (Você aí, você recusaria? Duvido.)
Teve lá seu período de amaciamento,
quando Lula a escalou para o Ministério das Minas e Energias e depois a Casa
Civil. Não foi um choque como o do Figueiredo. Mas, pombas, da lojinha
encardida (que, por sinal, parece ter ido à falência) à perspectiva de primeira
mandatária da história sem uma primeira-dama para contrabalançar, uau!
Fala sério, é de tirar a sujeita do
eixo ou não é?
Como se ainda pouco fosse, foi
ungida pelo ladino presidente que a antecedeu não por ser inteligente e sim por
ser... (sorry, periferia; a verdade dói, que é que posso fazer?) burrinha que
nem ela só.
Ah, como eu adoraria se um dia Lula
abrisse o jogo e revelasse (sei lá, a um biógrafo companheiro) como foi que
chegou à escolha de Dilma para sucedê-lo. Contasse quem, em sua maquiavélica
cabeçona, foram os outros e as outras postulantes. Como foi filtrando os
potenciais candidatos. Quando exatamente se decidiu por ela. Que
limitações enxergou naquela obscura secretária de finanças da prefeitura de
Porto Alegre que a qualificavam para ocupar a Presidência "na
sequência".
Porque, pombas, imaginem, o pau
d'água, mesmo penso de cachaça como parece ter "dirigido" o país por
dois mandatos, acertou em cheio. Não para os propósitos e as necessidades do
Brasil, está óbvio. Mas para os dele.
Pois os critérios do "cara" hoje parecem claros. Dentre milhares de companheiros e companheiras qualificados para o "serviço", ele pôde garimpar uma
pessoa que fosse bronca, rude e inculta e que, principalmente, aceitasse — muito provavelmente à revelia dos próprios interesses — o sacrifício
de esquentar o lugar para que o espertalhão reassumisse quatro anos depois. (A
volta de Lula foi e ainda é uma incógnita, sobretudo depois de sua doença. E
diante das condenações dos mensaleiros pelos STF. De qualquer jeito, não sei o
que é pior, mais quatro anos de Dilma ou outros quatro anos de Lula. Jesus,
tende piedade de nós.)
Pois, me remetendo novamente ao
período dos governos militares, Lula está longe de ser uma eminência parda ao
estilo Golbery. (Se é que este o foi de fato. Mas vale pela comparação.)
Existe claramente uma duplicidade de
comando "neste governo que aí está".
Pior: Dilma não só aceita que o (ex?) presidente lhe faça sombra, mas tem se prestado candidamente a
iniciar ações e indicar rumos de governo que francamente privilegiam antes seu
mentor que o País, visivelmente dando de ombros às tenebrosas
implicações de tal deslealdade para com os cidadãos brasileiros.
Dilma Rousseff desde o início de seu
mandato tem dito preferir que a chamemos de presidenta. Mas por que será que
para grande parte dos brasileiros esse substantivo feminino tem
soado tão estranho?