Se eu fosse Lula


Se fosse Lula, eu faria uma porção de coisas. Em primeiro lugar, imitaria Getúlio.
Penso em Lula e prontamente me ocorrem outros presidentes do Brasil. E, quase à minha própria revelia, me ponho a jogar uma brincadeirinha: Qual foi o pior deles?
Então, mal começo a brincar, me passam pela cabeça caras de presidentes americanos. Não consigo pensar na nossa história sem recorrer à deles.
Desde 1500 nosso destino é determinado por acidentes. A começar pela própria expedição de Cabral, que, parece, veio aportar por aqui por ter pedido o rumo no meio do Atlântico. Sobre esse perdimento há controvérsias entre historiadores. Uns dizem que não, Cabral tinha rumo certo; outros, que sim, ele estava a caminho do Havaí e tomou o oceano errado. Mas não é preciso estudar História para saber. Basta olhar em volta – o Brasil de hoje é prova inconteste. E, se já não era pouco, Cabral aportou na Bahia, Terra do Carnaval.
Depois, aquele "episódio" da Proclamação da Independência, Pedro com dor de barriga etc. Me parece que também há polêmica sobre a disenteria. Alguns dizem que é apenas mais uma das milhares de piadinhas com que adoramos nos denegrir a nós mesmos em nossa profunda falta de caráter. Mas duma coisa podemos estar certos: o grito retumbante não suscitou uma gota de sangue. Os portugas botaram o rabo entre as pernas e escafederam-se, renunciando sem uma só careta ou palavrão ao berço esplêndido e seus mais de 8 milhões de km2 de ouro, prata, cana, índios dóceis, escravos. Nossos brothers do norte, em contrapartida, tiveram de expulsar os ingleses no tapa, em batalhas sangrentas, heróicas e ao mesmo tempo memoráveis. Quem iniciou a série de grandes presidentes lá deles foi George Washington, naturalmente reverenciado por cada geração de comedores de biguemaques com batatinhas large size. Aqui Pedro simplesmente não pega. O quadro de Pedro Américo no museu do Ipiranga é uma grande piada – pretende ser o instantâneo dum momento histórico glorioso mas na verdade denuncia o quão pífia foi nossa luta pela independência. Patriotismo não se aprende na escola. Os americanos, em sua maioria, sempre souberam o que defender e por que lutar. Patriotismo está diretamente ligado a história e tradição. Temos a primeira, não nascemos ontem. Não temos a segunda. Exatamente por esta razão, é tão natural ser um conservador americano. E pela mesma razão é meio cafona ser um conservador brasileiro. Afinal neguinho quer conservar o quê? A Rocinha e o Complexo do Alemão?
Me foi difícil compreender a balançada que as instituições americanas sofreram depois do nine-eleven. Custei a aceitar que a maior parte da imprensa deixasse tão prontamente seu papel precípuo de informar a verdade para tomar as dores da nação e se embebedar de nacionalismo/patriotismo. E depois houve aquela onda de perseguição do Estado contra qualquer um que pudesse representar uma ameaça. Há alguns relatos chocantes sobre denúncias ao FBI de professores contra alunos de 14/16 anos que "ousaram" falar mal de Bush em classe, contra  gente "flagrada" em bares/lugares públicos lendo artigos supostamente subversivos, etc. Muitos receberam uma visitinha de agentes federais, tiveram suas atividades investigadas, foram ameaçados. E alguns entraram para listas negras simplesmente porque levavam pinta de muçulmanos, racismo que não deve ser moleza sentir na pele. Mas, ao fim e ao cabo, mais uma vez a América foi salva por Deus e a liberdade. O vasto, o incontido debate que se estabeleceu após o 9/11 e ainda segue comendo quente é uma dos mais magníficos exercícios de liberdade de expressão jamais vistos in the whole wide world. Pela enésima vez, sou obrigado a calar meu bico ocasionalmente antiamericano e sussurrar baixinho God Save America. Os EUA são capazes de manter um espírito libertário que, parece, está além do alcance de primários venais feito Bush. É tão poderoso, que às vezes leva jeito de bruxaria. Nada a ver com a América profunda, claro. Esta faz parte da imensa complexidade que são os EUA. Susan Sontag, ex-musa da esquerda, anátema para a direita, e a quem venero como intelectual/escritora, milhões de milhas longe das ann-coulters da vida, espertalhões/onas que, tão americanamente, sabem tirar proveito do imenso mercado ideológico oculto por sob a jequice do countryside e que aqui na mãe gentil nossos olavos-de-carvalho tentam imitar, inutilmente, pois, como disse, o conservadorismo não tem razão de ser por estas plagas, bem, Sontag, que Deus a tenha, Sontag dizia que 90% dos americanos acreditam na existência do diabo, period.
Bom, acho que perdi o fio da meada, tem manhã que a ressaca parece castigo divino, ah sim, se fosse Lula eu teria acabado com o Ministério da "Justiça" e o trocaria pelo Ministério da PF. Melhor, eliminaria todos os ministérios e deixaria em pé apenas o da Propaganda. Pois que nosso presidente que se vai tarde nada mais fez em seus oito anos de mandato senão se promover qual santidade na Terra.
Se fosse Lula, eu faria uma porção de coisas.
Se fosse Lula, eu terminaria meu governo imitando, repito, Getúlio, o eterno ídolo das multidões. Imitaria Getúlio até o último minuto (por sinal único ato heróico dum presidente pátrio). Whew. Seria supérfluo dizer que Lula não tem um por cento do tutano de Vargas. Lula não teve competência sequer para implantar uma ditadura. Delegou a tarefa a Zé Dirceu, que se mostrou ainda mais inapto. Lula deve ser o primeiro presidente do mundo a mandar um subalterno dar um golpe em seu lugar. Enquanto Dirceu tramava sua conspiração de araque, o presidente, encharcado de cana, provavelmente corria atrás de donzelas na Granja do Torto. Os inventores da cocacola tiveram quatro presidentes assassinados, Lincoln, Garfield (não aquele da tirinha cômica), McKinley e Kennedy. Nós, do nosso lado, tivemos um que se matou, o que, acho, dá bem a dimensão das suaves diferenças de estilo entre os dois povos.
Lula foi um arraso. Parece feito sob medida para os nossos padrões. Não é de espantar que tenha galgado ao mais elevado posto da República (em que passou 8 anos alto). Foi apenas o que merecemos. Vejo à minha volta gente revoltada com o peetê, acho graça. Quem é que vocês queriam? Churchill? Além de ter salvado a Grã-Bretanha contra o tiraninho maluquinho Adolf e sustentado os brios do Império do Chá das Cinco ao longo de seis longos e trágicos anos, Winston escreveu o maior livro de memórias de todos os tempos. Até o caipira Clinton, que quase jogou a Casa Branca nos guetos pornôs de Hollywood, escreveu suas memórias, My Life, respeitado mesmo por seus adversários políticos e que lhe salvou a face pós-charutos, estagiárias e cia. Vai ver, escreveu o livro exatamente por isso. Na maravilhosa cultura americana essas coisas acontecem.
Não dirijo há anos. Quem se atreve a enfrentar nosso trânsito merece uma camisa-de-força. O motorista brasileiro é o mais cafajeste de todo o mundo. Na maioria, de classe média. A minha classe. A mesma classe que põe nos subnutridos das classes D/E a culpa pela eleição de lulas, jéfersons, tiriricas e congêneres.  Mas quem é capaz de sair do mundo das fantasias teóricas e olhar as coisas feito homem e não criança sabe que não é nada disso. Quem elege essa escumalha somos todos nós. É a madame incivilizada que estaciona em fila tripla em frente ao Dante pra deixar seu rebento e ao mesmo tempo lhe ensinar o tão nosso faça-o-que-digo-mas-não-faça-o-que-faço, é o cavalheiro mal-educado que está com pressa para chegar ao seu escritório na Berrini e por isso mesmo fecha o cruzamento quando para num farol, é o garotão selvagem que monta na beemevê presente de aniversário e sai na madrugada a 250 km/h, é a patricinha no celular que bloqueia a faixa de pedestres nos cruzamentos porque não sabe que no mundo também há pessoas que andam a pé.
Como parece querer dizer a propaganda da Justiça Eleitoral, o Brasil é você quem faz, xará.