Tapa na cara (não é título de filme japonês)

Desde cedinho na vida, uns mais, outros menos, começamos a levar ferro (metros). Depois disso começamos a levar ferro (rios enferrujados de ferros, pesadas toneladas de ferro, terabytes do mais abstrato, do mais puro ferro que jaz sob a floresta tropical nas minas do Pará) logo de manhã cedo. Ferro que não termina nunca, ferro que abasteceria os chinas por uns 15 séculos sem dó nem piedade. Ferro da mais pura dureza, minha senhora.
Então de repente ficamos grandes e, voilà, já nem sentimos mais as ferradas na orelha nem as ferroadas nas batatas das pernas nem as bordoadas no lombo.
Para a maioria de nós (nós, digo, vocês aí; não me incluam nessa), nossos pais e mães cumprem o sagrado papel de nos escaldar para os reveses da vida. Mas eis que invariavelmente acabam por meter os pés pelas mãos, imaginando, sei lá por que cargas da água imunda que neste instante corre pelas sarjetas das ruas do meu passado, que somos gatos e temos sete vidas. E é assim que começam a nos treinar com desmandos totalitários até nos acostumarmos com a arbitrariedade e a injustiça e, a partir da adolescência, desenvolvermos um relativo conformismo para quando o mundo iniciar a interminável bateria de chumbo grosso em cima dos seus alvos prediletos: nós. (Sim senhora, minha senhora, nós mesmos, e eu mais que qualquer outro.)
Muitos de nós, etc., fazemos uma trajetória parabólica ao longo dos anos. Partimos daquele esquerdismo que adotamos quando somos jovens ingênuos para nos estarrecermos cedo ou tarde com a hipocrisia dos esquerdistas, os campeões no quesito.
É por essa e outras que somos chegados numa ditadura, um cantinho paradisíaco e improvável com leis rígidas, bem-definidas, que não nos deixem em dúvida quando quisermos pisar fora da linha, sendo que pisar fora da linha é tudo a que alguns de nós mais rebeldescos almejamos. (Ah, que delícia ter uma preposição à mão quando precisamos dela.)
Que angústia nos trazem as ambiguidades, não é mesmo? Taí uma coisa que tento entender desde que nasci e não consegui até hoje.
Tudo bem, é jogo do Curíntia, lá fora já tem um montão de selvagens disparando rojões a torto e direito (eis outra coisa que não entendo: de onde o brasileiro e certas brasileiras tiram essa repulsiva mania de obrigar seus vizinhos a participar de suas comemorações), todo mundo e sua massagista de latinha de brama numa das mãos...
Eu também cheguei a acreditar que o rústico e mecânico torneiro viera para abrir as janelas e arejar o eternamente rançoso ambiente partidário brasileiro. Eis que de repente o bronco enverga um Armani e assim do nada produz uma cartola e, troando seu vozeirão de granalha ensandecida, exibe ao distinto público não um coelho mas uma caricatura grotesca em sua indefinição que visivelmente mal pode conter a hostilidade quando tenta falar querendo grunhir, quando tenta argumentar querendo vociferar, quando tenta responder querendo voar na garganta do interlocutor, uma sargenta-tainha assemelhada a uma senhora a quem foi dado um papel que, pula, atira-se, salta aos olhos, não nasceu para desempenhar, um ser indefinido até no nome que ontem era Vanda, Estela, Luíza, Vânia e/ou Patrícia, todos soando, em que pese apelidos, mais verossímeis que esse atroz “Dilma” que da noite para o dia veio nos perturbar os ouvidos e os olhos nos noticiários e nos tirar o sono na cama, uma virago impiedosamente travestida de dondoca em seu modernoso penteado de cor improvável e seus improváveis terninhos executivos, como improvável é a máscara regularmente alisada a bisturi em que não se vislumbram os mais remotos indícios de sapiência, sensatez, circunspeção, cordura ou discernimento, virtudes que brasileiros sábios, sensatos, circunspetos, cordiais e ajuizados de certo gostariam de identificar em sua líder. Tal como Ferreira Gullar, estamos atônitos que o impossível seja possível.