Sob o
doce e promissor lema de que o bem triunfa e sempre triunfará, velejamos
impávidos extáticos, olhos fechados para as ratazanas no lixo à nossa porta, a
monstruosa guerra civil invisível que mata dezenas a cada dia nas Margens
Plácidas, nos deixando a todos escandalizados, quebrando a falta de assunto no
suave gorjeio de zés de copo na mão nos bilhões de botequins e marias
fascinadas com o novo vestido de tafetá da heroína da novela sob o crepúsculo
atômico, period. (Pombas, não há como negar, Trópico de
Capricórnio é um tremendo dum livro, embora em baixa entre sagazes
intelectuais explicadores.)
Toda
escrita que não seja demolidora é supérflua. Daí a permanente sensação de
déjà-vu, de encheção de linguiça em quase tudo que se escreve. E o bálsamo
único do poema. E de uma ou outra ficção. Crítica, quase nenhuma. A crítica em
geral passa um quê de juízo final e inveja latente meio patético. Pera lá,
inveja não, que o crítico às vezes escreve melhor que o criticado. Uma sensação
de que estão metendo o bedelho na vida alheia que o próprio métier não permite.
O "artista" pode meter o bedelho em que quiser, obviamente. Por isso
às vezes chega a artista – metendo a colher no angu que deveria ter ficado
intocado in the first place. Então vem o "estudioso comentador
apontando" o artista para a plebe feito delator invejoso
aproveitador. A vocação parasitária é indisfarçável. Mesmo em Eliot, dublê de
escritor e crítico.
O
escritor tem de ter uma marreta na mão e lascar marretadas a torto e a direito.
No cravo, na ferradura e na orelha do distinto público. "Critério" é
coisa de verme de biblioteca. (O verme inglês é melhor que o nosso rato.) O
escritor-artífice venerável exigido pela crítica é sacal, um chato que escreve
para acadêmicos terem assunto no suplemento literário. A poesia de Haroldo de
Campos é soniferamente artificial, constituída duma cacetada de
citações hipereruditas – que, salta aos olhos, foram suadamente escarafunchadas
num lixão de tratados. Li e reli e não entendi. Talvez o brother Augusto queira
lançar um dicionário para elucidar o feito. Não fala de mim ou do que sinto
inconscientemente ou à flor da pele. Leio nos jornais que Campos e Umberto Eco
eram amigos. Provavelmente se merecem. Que O nome da rosa tenha
estourado nas livrarias do mundo todo é sintomático desta
época. Um amontoado de referências cultas que ninguém entendeu, ninguém leu,
mas todo mundo amou. Tentei e só me interessei pela, com perdão da palavra,
trama dos assassinatos. Que a poesia concreta, feita para brandir teorias, como
se a nossa cabeça se importasse com conceitos e não com os terríveis
sentimentos de vida, morte, paixão e ódio que, sabemos, são os decisivos, não
tem, esclerosada. Sherlock Holmes é melhor. E mais honesto.