As pesquisas e índices em profusão
que orientam as discussões nesta sociedade são simplesmente engodos. Servem é
para economistas encherem linguiça em artigos vetustos em jornais e governos
implementarem suas políticas populistas. Passam longe da realidade “verdadeira”.
Você não precisa ler jornal nem
consultar um instituto de opinião para conhecer o mundo concreto. Basta fazer
um passeio básico pelo centro duma cidade média qualquer. E, numa cidade como
São Paulo, a realidade é ainda mais assoberbante. Tenta nos chamar a atenção
aos berros, quase sempre com violência e sangue. Políticos e governantes fecham
os olhos e tapam os ouvidos, obviamente. Estão ocupados e preocupados não
apenas em desconhecer a verdade mas, acima de tudo, fugir dela feito o diabo da
cruz, para usar uma expressão original.
Eis um paradoxo inaceitável: os que
escolhemos para resolver nossos problemas são rematados desequilibrados.
Quando é que começaremos a encontrar
o caminho certo, então?
Enquanto os loucos estiverem no
poder, nunca.
Andar pelas ruas centrais de São
Paulo é uma legítima epifania, para fazer uma símile religiosa. Se você for
adepto da psicanálise, um insight definitivo.
São calçadas e esquinas tomadas por
desocupados, andarilhos, vagabundos, desempregados, homens e mulheres que há muito
renunciaram a conquistar uma vida digna, lotando cada quarteirão às centenas.
Uma multidão de gente que nunca entra nas estatísticas de desemprego do
governo.
A angústia carimbada no rosto é a
constante. Paro um minuto para observar mais detalhadamente e um sujeito se
dirige a mim e pergunta se o número tal fica para cá ou para lá. Só mais um que
não sabe ler numeração de rua, penso. Examino as duas fachadas próximas e digo,
é para este lado. Vou ver uma vaga de segurança, ele diz. Está querendo papo.
Vim de Mogi das Cruzes. Parece querer mais: provavelmente colo. Faço cara de
espanto, solidário, abano a cabeça indicando que sou todo-ouvidos. Saí de casa
com seis reais. Me preparo para o desenlace: vai me pedir esmola. Tento evitar
que minha decepção se denuncie. Notando minha prevenção, ele se afasta me dando
um tapinha no ombro. Brigado, amigo. Boa sorte no emprego, desejo, mas ele faz
que não escuta.
Retomo o passeio.
O centro é uma proliferação de todo
tipo de comércio imaginável. São armarinhos, floriculturas, papelarias,
botecos, docerias, mercadinhos, lojinhas de muamba paraguaia, entremeados de
chaveiros, eletricistas, encanadores, vendedores de marmitex, tatuadores, gente
vendendo salgadinhos, bordados, perfumes, bijuterias, muquifos escuros e obscuros,
semi-ocultados por ambulantes e homens-sanduíche a anunciar eternamente que
compram ouro, tudo muito sujo, tudo muito feio, tudo desfigurado por uma
precariedade tangível, gente destituída de qualquer garantia não só quanto ao
futuro mas também quanto ao presente. O próprio Bosch haveria de se abalar. Se
fosse poeta, eu diria que a cena é uma súplica pelo amanhã.
Noventa e nove por cento deles,
mambembes, à beira da falência. Ou, vai ver, sabe-se lá quantos já faliram mas
seus donos não têm opção que perseverar na torcida. Temem fechar as portas e
ficar do lado de cá, o de fora, cair na companhia dos indigentes nas esquinas,
de onde, sabem, não têm saída. Vão manter a aparência de dignidade enquanto for
possível, falidos, doentes sem médico, banguelas sem dentista. Uma ou
outra entre as lojinhas já sucumbiu. Seus donos foram expulsos para a roça ou uma favela na periferia de Heliópolis ou Paraisópolis. (O inferno no Brasil atende
por nomes antitéticos, quase poéticos.) Não aguentaram o aluguel.
À medida que caminha para o chamado
centro expandido e daí para os bairros mais afastados, você percebe uma
diferença não apenas na demografia, obviamente menos densa, mas também nos
tipos de comércio.
A variedade é igualmente rica. São
sacolões, lojinhas de móveis, petshops, butiques, motéis, lanchonetes,
padarias, serralheiros, mecânicas, farmácias, bares, pizzarias de
entrega em domicílio, vidraceiros, mercearias, cabeleireiras e barbeiros, oficinas de assistência técnica, borracheiros, óticas, açougues, imobiliárias, lojinhas de calçados, profissionais “autodidatas” que se
especializaram nos mais diversos tipos de reparos e reformas, lojinhas de
umbanda, restaurantes, martelinhos de ouro, salões de beleza,
funileiros. Todos humildes e modestos, à beira da miséria, em compasso de espera enquanto não chega o dia de baixar as portas.
À diferença do centrão e
sua concorrência selvagem, aqui a tônica é a pasmaceira. Tudo praticamente
às moscas, fora um ou outro zumbi perdido. Todos muito esperançosos, concentrando esforços em alcançar a prosperidade que teima em não dar o ar da graça. Aqui também o amanhã parece evocar
pesadelos.
São essas as pessoas de quem o sr.
Fernando Haddad quer arrancar mais IPTU. A maior parte do aumento do imposto
vai cair no lombo dos comerciantes e dos industriais. Que, na fértil imaginação
de esquerdistas como Haddad, nadam em ouro nas olímpicas piscinas de suas mansões.
No auge do desnorteamento provocado
pela desastrada e desastrosa iniciativa do prefeito, o presidente da Associação
Comercial de São Paulo disse textualmente que “Os aumentos sequencias de IPTU
para imóveis não-residenciais terão impacto no preço dos produtos. Vai ter um
aumento de custo generalizado. Isso vai subir o preço dos produtos.”
Não, senhor presidente da AC, o
problema não são os lojistas dos shoppings e centros comerciais mais sólidos.
Esses certamente podem repassar o aumento para seus produtos. A escolha final
de comprar ou não ainda caberá ao consumidor. Apesar dos haddads da vida, ainda
vivemos sob as regras do capitalismo.
A questão é: como os pobre-coitados
— que já não são capazes de pagar seus aluguéis e não ganham nem o suficiente
para sobreviver — vão lidar com mais esse assalto perpetrado pelo governo
municipal.
Como todo bom esquerdista em estado
de alienação permanente, Haddad fantasia que a livre-iniciativa produz renda
por encanto. É abrir uma vendinha e abarrotar os cofres.
O esquerdista típico tem raiva —
raiva, sim — da livre-iniciativa a começar pelo próprio nome. Porque a
livre-iniciativa estimula a concorrência e, portanto, a competitividade. No
delírio infantil do universo esquerdista, nascemos todos iguais e somos todos iguais
e é pecado deixar que se estabeleçam distinções no meio do rebanho. É outra
história que muitos deles mesmos desobedeçam esse princípio torto e se tornem
nababos tão logo tenham a oportunidade de meter as mãozonas no Erário. O sr. da
Silva e seus acólitos mais proeminentes já nos provaram isso à exaustão e seria
ocioso discutir pela enésima vez a cupidez e a hipocrisia do ser petista.
O PT não nasceu dos trabalhadores e
sim duma categoria que à época, 1980, constituía a elite da força de trabalho
nacional e de lá para cá só fez se elitizar e se expandir verticalmente, para
usar um advérbio favorito dos cientistas sociais. O partido nunca deu pelota
para o exército de subempregados urbanos ou os boias-frias das plantações de
cana de açúcar, marginais do sistema produtivo, que eram desorganizados em 1980
e continuam acéfalos e sem voz em 2013. Pelo contrário, o PT foi reforçando sua
natureza corporativista. Hoje é o partido dos grandes sindicatos, dos
funcionários públicos, da elite dos professores e outras classes que aprenderam
a descolar uma boquinha no Tesouro com a conversa do igualitarismo, duma casta
universitária que não hesita em cuspir no prato em que come. Norberto Bobbio
disse que o direitista preza a liberdade, o esquerdista, a igualdade. Acontece
que a liberdade só pode ser conquistada (num esforço ininterrupto), ao mal
passo que a igualdade só pode ser imposta. Nascemos diferentes, em diferentes
famílias, classes, culturas e contextos. Crescemos diferentes. E ficamos
adultos diferentes. Então, se quisermos ser ou não iguais a quem quer que seja,
é prerrogativa nossa, não dum Estado abstrato ou dum punhado de mandachuvas
doidos para controlar nossa vida privada. Essa também é outra história que
seria supérfluo desenvolver. Basta olhar para os países “igualitários” que
todos sabemos quais são.
Para Kant e seus adeptos, a
liberdade depende de “autonomia igual para todos”. Isso significa simplesmente
que você pode muito bem aspirar à igualdade e buscá-la, desde que não interfira
na realização da autonomia individual. Um professor de ciências políticas da
Universidade de Sofia chamado Georgi Karasimeonov tem uma declaração assaz
interessante a respeito: “Igualdade é o direito à liberdade. A igualdade na
liberdade significa que cada um pode desfrutar de tanta liberdade quanto esta
for compatível com a liberdade alheia e pode fazer qualquer coisa que não
reduza a liberdade igual do outro”.
Mas faço essa referência apenas como
aperitivo numa feijoada. Quem tiver o apetite despertado pela inteligência iluminadora
e quiser se refestelar, esteja à vontade, o Google está a um clique de
distância.
O que me interessa e sempre me
interessou mais pragmaticamente e de que venho falando há anos é que o PT é um
partido de origem sempre glorificada mas nunca efetivamente esclarecida. Tem
nome espúrio, representatividade espúria, desenvolve atividades nebulosas,
emprega métodos criminosos. Como bons sindicalistas, o sr. da Silva e
seus camaradas têm a greve no sangue. Trabalham para prejudicar, não para
crescer. Trabalham, por paradoxal que soe, para que tudo fique parado. O país
está em greve há onze anos, uma greve geral e profunda que inoculou grande
parte dos brasileiros com o vírus da bela-adormecida.
Aos onze anos de poder praticamente
absoluto, tendo esmagado a oposição e reinando à base do mais escrachado, do
mais retrógrado populismo, está cristalinamente óbvio que o partido é incapaz
de se desligar de sua origem sindicalista, com o concurso decisivo de
intelectuais. Não fosse também a participação de setores da Igreja Católica,
poderíamos dizer que o PT nasceu leninista. Depois passou por uma longa fase
stalinista. Até amadurecer como um imenso agrupamento de fisiológicos
reacionários. Ainda ontem o Datafolha publicou uma “pesquisa” dizendo que Dilma
tem apoio maciço entre os bolsistas do governo. Lhes dá esmola enquanto lhes
nega educação e saúde. Que poderia ser mais reacionário que isso?
Enquanto se aliam ao atraso e
investem sem dó nem piedade no retrocesso, os lulopetistas continuam a
desprezar solenemente as grandes questões impostas pelos fantásticos
desdobramentos das últimas três décadas em todos os setores das sociedades e
das vidas dos cidadãos. O brasileiro que figura no discurso do PT foi
soterrado por incontáveis avanços tecnológicos e transformações sociais. Os
lulopetistas conseguiram abrir os olhos só ao que é gritantemente óbvio. Por
isso, ninguém mais no partido menciona a reforma agrária, salvo para defender
camicazes inconsequentes como aqueles bandidos que dedicam suas existências a
invadir propriedade alheia. Fora lutas que pereceram na década de sessenta
passada, esses sujeitos têm apenas uma vaga ideia de quais são as
aspirações políticas do jovem de hoje. Suas “pesquisas”, quando muito,
aquilatam a necessidade de emprego e formação escolar da moçada Brasil afora.
Basicamente, o partido não tem um drive,
toma ações estapafúrdias e muitas vezes contraditórias, se move ora para um
lado, ora para outro. A sra. Dilma na Presidência mais parece um personagem
caído dum filme de dinossauros. Quanto ao sr. da Silva, esse é incapaz de
apontar um norte que não seja o ódio a uma “elite” da qual hoje é um
dos potentados.
Países como a Coréia do Sul, que até
há pouco eram uma titica, de repente assomam como gigantes no horizonte
econômico e cultural. Qual o milagre? Nenhum. Foi tudo resultado de muito
trabalho, fé inquebrantável na liberdade e confiança total no poder da educação
como elemento verdadeiramente revolucionário e saneador. Hoje eles têm a melhor
educação do mundo, a internet mais rápida do mundo, a saúde entre as melhores
do mundo.
A nós sobrou o inferno mágico do sr.
João Santana.