Stacatto
E Fernando Henrique Cardoso continua
incansável em suas perorações inertes e inodoras na página 2 do Estadão.
Muito poucas coisas são ociosas como
ex-presidentes escrevendo em jornal. Os absolutamente sem talento algum para
função alguma qual Itamar consolam-se cuma embaixada mixa. Aos cujo único
talento é simular que têm algum talento qual Sarney agraciam-se cuma cadeira na
Academia Geriátrica de Letras. Aos com alguma vocação para alinhar
coerentemente uma palavra atrás da outra qual Fernando Henrique brindam-se com
colunas em jornal. (Embora Sarney, mesmo encadeirado na Academia, também tenha tido
seu lugar ao sol na mídia, comprovando que uns exes são mais afortunados que
outros.)
Esses tipos constantes na imprensa nos
ajudam a compreender para que serve jornal. Qualquer periódico, de qualquer
país, sofre duma esquizofrenia assoberbante: pretende-se uma janela através da
qual leitores possam vislumbrar algo da realidade e para abrir essa janela
escalam sujeitos que dedicam toda sua vida a enganar e/leitores. Para essa
gente uma coluna em jornal sempre pode beneficiar uma carreira política em
estado terminal. É o último osso dos esfomeados.
Depois de oito anos como homem mais
poderoso do país em que produziu dois golpes, o da reeleição e o da manipulação
cambial, que será que o cidadão teria ainda a nos dizer? Fico ali olhando meio
espantado as fileiras de parágrafos ocupando meia página do primeiro caderno
sem me atrever a ler sequer uma palavrinha. Meu, pra que serve um intelectual
afinal?
Todos os artigos de Fernando Henrique
Cardoso publicados na imprensa deviam ter apenas um título: Esqueçam que presidi. Esqueçam, esqueçam
e esqueçam.
Fernando Henrique Cardoso é autor duma
das maiores asneiras que um presidente gaiato — o que evidentemente é um
pleonasmo; todos os que chegam à Presidência parecem perder a autenticidade como
que por encanto — já cometeu. Fernando Henrique teria preservado a própria credibilidade
e ainda poderia prosseguir com suas preleções, de que parece fruir especial
prazer, se tivesse caído fora ao fim do primeiro mandato, ainda sob os efeitos
da façanha de ter domado a inflação para que a Mãe Gentil pudesse pelo menos colher
as migalhas da globalização. Deixando o barco correr, teria provado ser um
homem de fato nobre. Não se conformou em simplesmente seguir as regras
estabelecidas, contudo. Tal como qualquer fracote sucumbindo sob os mandos e
desmandos do ego, se deixou inebriar da pompa imperial de todos que sentam no
trono do Planalto. Poderia ter optado por sair grande da Presidência. Um grande
homem talvez pudesse ter resistido. Aparentemente grandes homens jamais chegam
a presidentes. A carreira política parece requerer uma paradoxal combinação da
coragem pessoal e carisma necessárias para amealhar apoio durante a ascensão
política e a limitação moral de omitir-se das responsabilidades e deveres ao
chegar ao cargo postulado. Lulla é exemplo acabado dessa malfadada dicotomia. O
espetáculo trágico ora encenado pelo Nunca-Antes e sua nauseabunda gana de
poder eterno prova que a mais despachada amoralidade sempre ganha lugar privilegiado
no gabinente presidencial.
A reeleição parida por Fernando Henrique e
sua egolatria king-size trouxe uma penca de subprodutos nefastos, Lulla sendo o
mais funesto. Esses subprodutos todos descambaram em fundo, feérico caos
institucional. Não fez nem cócegas nas máfias de assaltantes, traficantes e
autoridades corruptas país afora, não incomodou os congressistas que se limitam
a discutir a distribuição de cargos e de migalhas na administração federal.
Dentro dos partidos o tema exclusivo é quem vai ou quem não vai apoiar o
impeachment da Louca Planaltina. Ainda como outro subproduto, o golpe da
reeleição dizimou o potencial político de tucanos e afins, tirando-lhes
qualquer autoridade para exigir de lullopetistas conduta ética ou o que quer que
seja e com isso esfacelando a oposição e a possibilidade de resistência ao lullopetismo.
Eis o legado de Fernando Henrique Cardoso.
Sua peroração no jornal contrista ao patético. Fernando Henrique só não perdeu
a relevância porque o lullopetismo se encarregou de gerar o mais nefasto vácuo político
da nossa história. Tal como Lulla em relação ao PT, FHC e sua vaidade imensa
projetou uma sombra tóxica sobre seu próprio partido, impedindo que lideranças
promissoras vicejassem, envenenando até mesmo a carreira política daquele que
era o mais promissor quadro partidário do País, José Serra.
FHC começa agora a publicar seus diários
baseados nas anotações que fez durante seus dois mandatos. Esse retorno ao ofício
da escrita naturalmente significa que o ex-presidente anseia acima de tudo por
ser lembrado, ao contrário de quando pediu aos brasileiros seus leitores, com reveladora
sinceridade, que esquecessem o que escreveu. O pedido (ato falho?) talvez
explique por que o presidente não agiu à altura do intelectual reconhecido internacionalmente
e do grande sociólogo que é referência entre os brasilianistas do mundo. Ao
renegar sua bibliografia tão logo tomou posse, FHC parecia estar desistindo de
seus princípios teóricos para entregar a alma ao mais miserável pragmatismo político-eleitoral.
Ao frustrar as esperanças de seu eleitorado, se deixou perder pelos mesmos
descaminhos que hoje aponta naquele que pretende seu antípoda mas na verdade é
apenas seu semelhante. E, ao se manifestar assídua e insistentemente contra o
impeachment da presidenta estelionatária eleitoral, contrariando a vontade da
maioria dos brasileiros, FHC mais uma vez joga seu prestígio político, que ainda
guarda peso considerável entre os adversários do lullismo, na vala comum da
politicagem. Hoje, provavelmente, ele ganharia o olvido sem precisar pedir.
Como todo e qualquer político desprovido
de semancol que a editoria de jornalões embolorados escala para ocupar espaço, FHC
continuará demonstrando que o “faça o que digo mas não o que faço” ainda é o
lema preferido dos homens públicos
brasileiros.