O inferno lulista

Estava relendo Trinta anos esta noite, de Paulo Francis, relendo pela enésima e, cara, essa frustração pela enésima de novo, que falta que um Francis faz e me lixo que riam que haverei de morrer com tal lamento na ponta dos dedos.
Lá vai um trechinho à página 85 só para dar água na boca:
Todos somos marxistas, num certo sentido, no mundo ocidental. Radicais econômicos do tipo Milton Friedman, ou filosóficos, dos quais John Rawls é o mais famoso (ainda que desconhecido, que eu saiba, no Brasil), levaram a primazia do econômico na nossa vida a extremos jamais sonhados por Marx. Friedman e Rawls acreditam que nada existe que se possa contrapor à liberdade de consumir, seja drogas, hoje teoricamente proibidas pela maioria dos países, ou sexo, por mais brutalizado. Esses discussões não aparecem no jornalismo de consumo da televisão ou das folhas populares, mas estão onipresentes nas publicações em que as elites falam o que pensam, ainda que usem quase sempre um jargão que leva tempo para se penetrar. Mas o escore, como dizem, é esse materialismo amoral. E mesmo conservadores convencionais aceitam o dictum marxista de que economia é a Primeira Causa da organização social e do que já se chamou felicidade. Quase toda a discussão política termina no econômico, seja qual for o regime.
Bem, você aí sentado atrás da tela do computador pode, ser quiser, tirar a teima. O trecho acima é iluminador? Um (grande) escritor é aquele que ilumina a escuridão que teima em se abater sobre nossas cabecinhas quando tentamos caminhar por nossos próprios passos. 
E veja que basta um paragrafozinho, uma titica intelectual aparentemente inofensiva que ao cabo da leitura é como se abrisse aquela pesada porta do universo que nos assombra em nossos pesadelos.
Queria me estender mas se me estender perde a graça. A continência é uma virtude. Nem sempre o pague-um-e-leve-três sai mais em conta.