Hoje,
19 de agosto de 2014, o “Observatório da Imprensa” online publicou pela
primeira vez o depoimento da jornalista Míriam Leitão sobre a tortura que sofreu
durante a ditadura militar. Presa no final de 1972 em Vitória, no Espírito
Santo, Leitão descreve o tratamento recebido numa unidade do Exército daquele
estado.
Abaixo,
um trecho do depoimento:
“Fui
levada para uma grande sala vazia, sem móveis, com as janelas cobertas por um
plástico preto. Com a luz acesa na sala, vi um pequeno palco elevado, onde me
colocaram de pé e me mandaram não recostar na parede. Chegaram três homens à
paisana, um com muito cabelo, preto e liso, um outro ruivo e um descendente de
japonês. Mandaram eu tirar a roupa. Uma peça a cada cinco minutos. Tirei o chinelo.
O de cabelo preto me bateu:
-
A roupa! Tire toda a roupa.
Fui
tirando, constrangida, cada peça. Quando estava nua, eles mandaram entrar uns
10 soldados na sala. Eu tentava esconder minha nudez com as mãos. O homem de
cabelo preto falou:
-
Posso dizer a todos eles para irem para cima de você, menina. E aqui não tem
volta. Quando começamos, vamos até o fim.
Os
soldados ficaram me olhando e os três homens à paisana gritavam, ameaçando me
atacar, um clima de estupro iminente. O tempo nessas horas é relativo, não sei
quanto tempo durou essa primeira ameaça. Viriam outras.
Eles
saíram e o homem de cabelo preto, que alguém chamou de Dr. Pablo, voltou
trazendo uma cobra grande, assustadora, que ele botou no chão da sala, e antes
que eu a visse direito apagaram a luz, saíram e me deixaram ali, sozinha com a
cobra. Eu não conseguia ver nada, estava tudo escuro, mas sabia que a cobra
estava lá. A única coisa que lembrei naquele momento de pavor é que cobra é
atraída pelo movimento. Então, fiquei estática, silenciosa, mal respirando,
tremendo. Era dezembro, um verão quente em Vitória, mas eu tremia toda. Não era
de frio. Era um tremor que vem de dentro. Ainda agora, quando falo nisso, o
tremor volta.
Tinha
medo da cobra que não via, mas que era minha única companhia naquela sala
sinistra. A escuridão, o longo tempo de espera, ficar de pé sem recostar em
nada, tudo aumentava o sofrimento. Meu corpo doía.
Não
sei quanto tempo durou esta agonia. Foram horas. Eu não tinha noção de dia ou
noite na sala escurecida pelo plástico preto. E eu ali, sozinha, nua. Só eu e a
cobra. Eu e o medo. O medo era ainda maior porque não via nada, mas sabia que a
cobra estava ali, por perto. Não sabia se estava se movendo, se estava parada.
Eu não ouvia nada, não via nada. Não era possível nem chorar, poderia atrair a
cobra.
Passei
o resto da vida lembrando dessa sala de um quartel do Exército brasileiro.
Lembro que quando aqueles três homens voltaram, davam gargalhadas, riam da
situação. Eu pensava que era só sadismo. Não sabia que na tortura brasileira
havia uma cobra, uma jiboia usada para aterrorizar e que além de tudo tinha o
apelido de Míriam. Nem sei se era a mesma. Se era, talvez fosse esse o motivo
de tanto riso. Míriam e Míriam, juntas na mesma sala. Essa era a graça,
imagino.”
No
momento em que li a reportagem na Folha havia 16 comentários dos leitores.
Entre eles pincei os três que se seguem:
1
- “Faltou a Míriam dizer se a emissora que ela trabalha já lhe pediu desculpas
pelas torturas, pois a tal emissora foi uma das grandes empresas de mídias que
apoiou o golpe e deu sustentação enquanto durou a ditadura.”
2
- “Ninguém era inocente naquela época, hoje todo mundo que foi pego pela
ditadura se faz de inocente. Os militares cometeram crimes com certeza mas os
comunistas fantasiados de 'defensores da liberdade' também o fizeram e entre
esses ninguém queria democracia”.
3
- “Não consigo deixar de imaginar o pavor que a cobra deve ter sentido ao ficar
presa junto da Miriam pelada!”
Há
blogueiros por aí que deitam nas postagens de seus blogs enxurradas de
lenga-lenga para prender a atenção de seus leitores, não importa qual seja o
tema, não importa a relevância e a atualidade dum assunto.
Quanto
a mim, procuro agir diferente. Só deito textos caudalosos em casos que
considero estritamente inescapáveis. Não preciso fazer onda com meus leitores,
pois são pouquíssimos os que tenho. E, modéstia à parte, os tenho pouquíssimos
exatamente porque não cultivo um leitorado. Pra cultivar e desenvolver um
leitorado que encorpe ao longo do tempo, um jornalista ou blogueiro tem de,
primeiramente, escolher um lado e desandar a bater nas mesmas teclas ad
nauseum. Com isso, ele ou ela criará uma identidade pela qual seus leitores o/a
reconhecerão e a partir daí, tendo-se gerado uma identificação entre blogueiro
e leitores, é só deixar cair na banguela. A “coisa” praticamente vai sozinha.
Tudo que neguinho precisa fazer é repetir diuturnamente suas opiniões, suas “pegadas”,
suas máximas para alimentar o rebanho ávido pela mesmice ideológica de cada
dia. Basta seguir os respectivos decálogos. Todo direitista sempre haverá de
esperar que Reinaldo Azevedo poupe Bush e culpe Obama por todos os erros
americanos e satanize os abortistas,. Todo esquerdista fã de Fidel e alérgico
ao liberalismo social-econômico sabe que encontrará nas lorotas eivadas por
Vladimir Saflate sua razão de viver.
Quanto
a mim, visto que não me alinho nem dum lado nem do outro, prossigo impávido
altaneiro no limbo gosmento dos não-ideológicos. Pelo que me congratulo a cada
manhã em que acordo para celebrar minha liberdade de pensamento.
Tinha
dez aninhos no Golpe de 1964 e cresci ouvindo relatos medonhos das atrocidades
cometidas por selvagens que se diziam representantes do “estado” nas masmorras
do DOPS e do DOI-CODI.
Agora,
com quase 60, olho, estarrecido, meu país nas garras imundas duma gangue que,
tendo se promovido amaldiçoando os militares e acenando com a bandeira da
liberdade, vem saqueando o Erário há 12 anos e tenta a todo custo estabelecer a
censura para calar os milhões de brasileiros que não se conformam que estejamos
rumando celeremente para o totalitarismo mambembe do lulopetismo escroto.
E
pensar que entre os lulopetistas haja quem se atreva a postar no fórum dum
jornal que teve pena da cobra que ficou presa "junto da Miriam pelada".
Quantos
séculos ainda nos separam da civilização?