São tristes deste século os destinos

É de assustar nossa vulnerabilidade aos delírios messiânicos de nossos presidentes.

Claro que há casos piores. Nos países africanos, por exemplo, não se pode esperar, lalarila-ri-rá, a mínima regularidade republicana. Só que muitos ainda não são países, apenas tribos manipuladas sob o butim colonialista europeu. O poder monárquico absoluto de maluquinhos feito o finado assassino Idi Amin Dada e atrozes que tais não tem equivalente. É poder que vem da cultura tribal e do fatalismo misturados ao primitivismo agrário, religião politeísta, etc. Se nem nós chegamos à Revolução Francesa - que foi a culminância da diminuição do papel do deus cristão onipotente e a assunção do homem (e, mais recentemente, se me permitem, da mulher) a mestre de cerimônias do picadeiro -, se nós ainda vivemos nesse nosso estranho escravagismo de maior país católico do mundo de todas as raças e deus brasileiro, imagine eles, coitadinhos. Tá certo, a Segunda Guerra, a Primeira, as inúmeras em que os europeus se trucidaram desde o Império Romano não foram batatinha e eu não queria ter estado presente (quem sabe estive em outra encarnação, mas espero não ter levado muitas maçadas na orelha, principalmente a esquerda, que já é meio disforme). Agora, o continente negro é uma mina de sangue inestancável (bem explorada e canalizada para os devidos fins pelos competentes europeus e seu humanismo de fachada). A situação deles é legal: se correr o pajé pega, se ficar os bushes, romneys, obamas, putins e chinas comem.
Mas, como estava dizendo, é de assustar nossa vulnerabilidade aos delírios messiânicos de nossos presidentes.

Fernando Collor, o Desvairado, pra começar.

Existirá palavra pra definir o que aquela criatura fez? Duvido que um americano ou europeu, que acham que o único país abaixo do Principado de Mônaco é a Austrália, entendeu alguma coisa (se é que algum se interessou). Pediriam para inventar outra. Lembro de gente se matando, gente que no dia anterior ao confisco tinha vendido casa e depositado a grana no banco, gente que perdeu poupança da vida inteira, que foi dormir sossegado e acordou c'uma mão na frente outra atrás. Por que todos aceitamos tão covardemente a pilhagem do Desvairado? Entre outras, porque, depois de vinte anos de regime militar, queríamos brincar de democracia e fechamos os olhos pras traquinagens do bóizinho mimado. Afinal, tínhamos elegido o biruta.

Dizem que o rapaz embolsou alguns bilhões de dólares. Continua com boa saúde, obrigado, dono das Alagoas, amigo de foro privilegiado dos mensalleros, exudando suas inomináveis aboborinhas de sua cadeira no Senado. E você aí, cuidado como fala do distinto - é capaz d'ele se ofender e te tacar um juiz em cima e você acabar num belo e acolhedor presídio qualquer.
Você fez alguma coisa pra impedir? Eu também não. Merecemo-lo todos.

Collor se livrou belo-belo, tudo bem, mas sua reputação foi parar onde todos sabemos. Não alivia muito minha barra, mas já é alguma coisa.

Pior, obviamente, e incalculavelmente, é esse senhor que reencarnou a porção light de Getúlio e incorporou algo do bufão Chávez e do neandertal Fidel. Manhoso, bom de papo, manobrou genialmente a tara que os desvalidos nutrem por uma figura paterna para lhes conquistar a subserviência. No processo adquiriu uma aura que combina algo de bendito, mágico e encantado, exercendo um poder hipnotizador sobre a caipirada sempre alegre a lhe baixar a cabeça (e, alguns e algumas, a lhe abrir as pernas). Apesar de tudo que dizem, desde a compra de congressistas no mensallão até as centenas de vezes em que ganhou-na-loto-sozinho (fico cá no meu canto me perguntando, que será que esse venerável vai fazer com os bilhões que acumulou e que ninguém sabe onde guardou? Será que ele me atenderia se eu lhe pedisse alguns milhares pra trocar minha Variant 76?), o garganta-abrasiva passou com galhardia o trono à sua herdeira. Na horda de puxa-sacos que angariou com seu poder celestial, dezenas de jornalistas vivem a exaltar os benefícios que trouxe no combate à miséria, a mudança de foco para os mais pobres e outras lorotas. Mas, queiram ou não ele e sua tribo de fanáticos viscosos, o que vai ficar para a história mesmo é seu populismo nauseabundo e a tentativa de golpe nas instituições republicanas para que o proclamassem don Lulla Mensallero I, o que quebrou o país várias vezes, manteve milhões de coiós na eterna ignorância afrobrasílica e, ao contrário de Juscelino, fez o Brasil retroceder 80 anos em apenas 8.

A devastação causada por don Lulla Mensallero I deve equivaler a uns dez confiscos colloridos. Provavelmente a historiografia do futuro jamais será capaz de calcular o prejuízo.