O que eu queria, honest


Eu queria que Lula do Mensallão viesse na minha casa pedir voto, sem, lalarila-ri-rá, a entourage de guarda-costas, sem o bando de sindicalistas sicofantas, sem a troupe de puxa-sacos amestrados, sem nada nem ninguém. Levava o bicho ao quintal, sentava debaixo do alpendre onde furo leitão, torço pescoço de frangotes, depeno ganços (ganços? que raio de bichos são esses?) pra fritar em azeite fervendo, esticava as pernas, arregaçava as mangas, elezinho, euzinho, só nós dois a leste de Sanca. Aí olhava bem fundo nos olhos do bicho, pegava a mãozona entre estes dedos finos e frágeis que nunca empolgaram uma chave inglesa ou um parafuso sextavado e depois de me acostumar à ausência do mindinho, se é que lograva fazê-lo, dizia em voz caliente:
- I believe in you. I believe in you...
Em sua voz jato-de-areia granalhada, o minúsculo retrucaria, olhinhos de lobisomem resvalando rumo ao céu de segundos em segundos:
- Meu Wilzito Cabezoncito, será que believe realmente requer essa preposiçãozinha aí? Talvez ficasse melhor sem. Que é que cê acha?
- Really, minusculito. Really. - E aconchegaria suave mas apaixonadamente a mão de quatro dedos na selva de pêlos que me encarpeta o peito desde minha revolta adolescência.
Eu queria, really, abrir um guichê, qualquer lugar, qualquer guichê, e um barnabé, mais, vários barnabés, centenas, milhares, milhões formassem uma fila, filinha à toa, improvisada, se estendendo só por uns oitenta e quatro quarteirões, e aguardassem enquanto eu criasse ânimo, forças, humor, resolvesse deixar os problemas em casa, esquecesse tudo que a Valmirice andou me aprontando pelas costas, resolvesse não sair de licença médica pelo menos este mês, deixar as férias para o ano que vem, afastar pra longe este meu proverbial azedume de que tantos FPs (funcionários públicos) se queixam pros meus superiores em Brasília. Olha, eu queria que um FP, um qualquer, pode ser aquele ali que ganha dois salários mínimos por mês pra coçar o saco sacudo, ficasse um ano aqui no meu lugar sem férias, décimo-terceiro, quarto, quinto, licença médica doze vezes por mês, sem responder pela qualidade do serviço, sem dar satisfações ao cliente, sem levar uma comida quando pisasse na bola mil vezes por minuto, eu só na praia esperando a enxaqueca passar.
Eu queria que um professor universitário, um FP do i-ene-esse-esse me empregasse, pode ser de qualquer coisa, doméstico, enfermeiro, jardineiro, lavador de carrões importados, experimentador de vinho, escargô, ova de estrujão, com carteira assinada, todas as regalias "previstas" na Constituição, aí eu fazia greve, greve geral, greve ampla, geral e irrestrita, greve de manhã, de tarde e de noite, greve em dia útil e fim de semana também, greve de carcá o fumo, tascá fogo, mamá na mula, sangrá a zica, trancá a troncha, greve de descabelá o palhaço, puxá o time, gozá nas calças, greve, greve e, putz, vírgula, greve.