Fins não justificam meios. Nem no lullopetismo nem em que quer que seja

E eis que o outrora grande Reinaldo Azevedo vai-se tornando gradualmente ilegível, à medida que seu ego exorbita dos limites normais sob o peso dum cabotinismo que assume dimensões grotescas.
Há tempos reluto acessar seu blog e só o faço quando esgoto todas as demais alternativas. Que, vocês sabem, são escassíssimas. Tirando Fernando Gabeira, o texto mais lúcido crítico ao lulopetismo disponível na rede, e alguns poucos outros, estamos sem opções razoáveis de crônica política.
Neste meu blog já elogiei Azevedo um par de vezes. Certa vez disse aqui que era ele a voz mais eloquente a se erguer contra a bandidagem que se estabeleceu no Palácio do Planalto e no Congresso. Foi, até há pouco, contraponto refrescante à pasmaceira reinante na grande imprensa, sobretudo na FSP e seus soporíferos articulistas de maldisfarçado vezo socialista.
Não sei se a cabotinice de Azevedo já era insuportável há anos e eu é que não dava bola, por uma questão de economia ideológica, ou se foi só nos últimos tempos que sua mania de se autobajular em virtualmente tudo que escreve e reza irrompeu em franco exibicionismo.
Cada vez que o leio fico com a impressão de que o sujeito com frequência acaba se esquecendo do tema a que se propõe e falando quase unicamente de si. Ou, por outra, parece sempre dar um jeito de torcer o assunto de modo a se posicionar na berlinda, em nível mais eminente do que o tema que escolheu escrever.
Cansei, literalmente, de ler diariamente que a palavra “petralha” já está dicionarizada e que sabemos todos quem criou tão preciso neologismo. Não tenho mais paciência com citações autorreferenciais como “escrevi ontem que”, “escrevi aqui, aqui e aqui”, “como destaquei”, “como já denunciei”, “como informei”, “como mostrei”.
Acabo de vir do blog de Azevedo. O homem está nas alturas. Publicou, em vermelho, uma diatribe em que a presidente da Apeoesp aparentemente faz uma réplica a uma de suas postagens, acusando-o disso e daquilo e ameaçando-o de processo judicial. (Esta vale um pontão de exclamação; ninguém faz citações ou referências em vermelho, muito menos de textos volumosos; a sacanagem aqui é associar o texto da vítima àquelas pesadas correções com que professores furibundos gostam de emporcalhar as provas de alunos relapsos; Azevedo pratica, acima de tudo, um tom professoral autoritário.) Percebe-se a quilômetros que Azevedo está todo inchado no papel de alvo da histeria da professora sindicalista. Como sempre, inicia conclamando seus leitores a se extasiar de gozo ante o “ataque”.
Aqui, outro truque — Azevedo, craque da manipulação, sabe como aliciar seus leitores, fazendo deles cãezinhos amestrados ávidos pelas instruções do patrão. A pequena manada se deixa manipular suavemente num visível processo de intercâmbio catártico entre guru e sectários. Pois é exatamente nisso que Azevedo se transformou: num reles guru a quem seus leitores oferecem uma espécie de devoção quase religiosa, indiferentes às seguidas impropriedades com que o santo homem recheia suas pregações evangelizadoras. Ah, sim. Azevedo nunca deixa de ressalvar que se guia por estrita lógica, tentando, com isso, desarmar aqueles que possam ousar pensar em contradizer o mestre. Ainda bem que nos últimos tempos ele parece ter aposentado aquele cacoete medonho de entrosar “autodiálogos” em que se dirigia a si mesmo como “tio Rei”. Quando comecei a frequentar seu blog, o desculpava por tamanha cafonice em consideração à nossa ojeriza comum ao lulopetismo. Mas quem recai nesse tipo de autocondescendência não pode ser levado a sério muito tempo, obviamente.
Quando não está-se vangloriando de ser o “Rei” da lógica (onde não se cansa de se mostrar ilógico), Azevedo gosta de atacar seus desafetos implicando com os escorregões gramaticais dos pobrezinhos. O guru pode ser extremamente covarde quando resolve apelar a esse tipo de baixaria. Um dos casos mais vexatórios de que me lembro foi sua tréplica a uma professora de Filosofia. Como é seu costume, ele publicou o texto inteiro da moça (em vermelho, claro) para em seguida zombar e ficar apontando o dedão aos erros vernaculares que encontrou, escarnecendo da missivista por se tratar de profissional do ensino. Em sua carta, a professora cometeu o “absurdo” pecado de consignar o advérbio “sequer” sem antecedê-lo com um “nem”. O Grande Lógico Gramático não perdoou, bien sûr, destacando em amarelo todas as ocorrências do suposto pecado linguístico. O Guardião do Idioma pretende que retomemos os costumes estilísticos de Almeida Garret, querendo esquecer que já ultrapassamos o Modernismo capitaneado por um Mario de Andrade, um Drummond e um Oswald. O bacharelesco é dos vícios de linguagem o mais patético. Invariavelmente denuncia a má-fé do pretenso bacharel. Trata-se de seara em que o sumo acadêmico José Sarney se mostra imbatível...
Mas que ninguém se atreva a lhe apontar seus próprios lapsos. (Sim, o homem também erra, por incrível que pareça.) Certa feita, falando do malfadado frei Betto, Azevedo usou um “frei” quando devia ter utilizado “frade”, pois não precedia o nome Betto. Mesmo sabedor de que seria vão, escrevi um modesto comentário em seu blog lhe chamando a atenção para o erro. O Magnânimo não tomou conhecimento, claro. (Ia escrever “ignorou”, mas todos sabem que se trata dum falso cognato, hehehe.)
Acabo de vir do blog do Azevedo, como já mencionado. E de lá saí resolvido a não retornar tão cedo. Lendo lampeiramente as postagens, de repente deparei c'um “Fui o primeiro na Internet ou na grande imprensa” (...) Ai, ai, ai, lamentei, remedando uma das ironias sem graça em que o Grande Lógico se mostra pródigo.
Há poucas coisas na vida tão ou mais sacais que um escritor que “se acha”, no saboroso linguajar da molecada não bacharelesca de hoje. A chatice da coisa aumenta na proporção em que você, leitor, espera que ele, profissional da palavra, tenha um mínimo de simancol para muitas das ciladas que a arte — e a ciência — de escrever oculta sob o caminho de quem se propõe a orientar outro ou ao menos entretê-lo nas horas de descanso. A maior incoerência em que incorre Reinaldo Azevedo é pretender roubar a seu leitor a prerrogativa de juiz de seu texto. Aquele é, e deve ser, soberano e autônomo no julgamento do que lê. Se tentar induzi-lo, influenciá-lo em seu arbítrio, o autor estará ultrapassando o sinal vermelho. Okay, os leitores de Azevedo não estão entre os mais exigentes e no mais das vezes passam batido pelas grosserias tautológicas do Imenso Guru. Ou, se se dão, parecem preferir pensar que o Professor Sempre Bilioso é um mal necessário na batalha contra o lulopetismo.
Até hoje, tem sido, de fato. Males necessários são indigestos, descem enviesados. E efêmeros. Azevedo daria uma enorme contribuição à luta que ora travamos contra os casuísmos oficialistas se assestasse sua metralhadora mais na direção dos abusos cometidos por lulla e máfia ilimitada e menos, muito menos, para o próprio umbigo.  
Seu cabotinismo o está levando a uma categoria de medalhão, um ethos equivalente àquele que tão furiosa e estridentemente combate.
Como se podia prever, o perigo era que seu blog se convertesse nesse gueto ideológico que é hoje e sua figura, num totem algo destoado, às vezes francamente patético dedicado mais a fanatizar que esclarecer seus seguidores. Ninguém precisa de fanáticos, “nem sequer” os que tentam extirpar a doença lulopetista do corpo nacional.
Não sei quanto soma o leitorado de Azevedo. Mil, dois mil, dez mil? Quem sabe podia chegar a um milhão se ele falasse (bem) mais dos temas relevantes ao País e (bem) menos dele mesmo. Os salamaleques em causa própria sempre se mostram cansativos. E improdutivos. Amiúde, contraproducentes. Leitores sagazes não são chegados a um cabresto. Leitores inteligentes querem ler opiniões alheias como o que são, opiniões, não dogmas.
Leitores inteligentes conhecem as normas cultas da língua e sabem bem o que é lógico. E o que deixa de ser.