Umpf!
É difícil distinguir até onde Olavo de
Carvalho é sonhador, até onde é picareta, até que ponto ocupa um vazio
circularmente deixado na imprensa por neofascistas, direitistas travestidos e
democratas desiludidos à medida que vão morrendo.
Todo o discurso de OC se limita a um só
tema, que ele martela em seus artigos obsessivamente, feito um neurótico que
tem necessidade quase visceral de ver sua neurose convertida em realidade: o
mundo se divide em direita e esquerda.
Como deve parecer óbvio, o maniqueísta não
enxerga nuances — para ele não existe escala de cinzas. Você é preto ou é
branco. O porrete é de pau ou é de pedra.
Isso faz de OC, naturalmente, um
fundamentalista. Em que sentido? No sentido de que, mais do que tirarmos
conclusões à luz do discernimento e do raciocínio, há determinadas “verdades”
em que só nos resta crer. Isto, por conseguinte, faz dele um religioso. E,
logo, dogmático.
Para o dogmático, as complexidades da
vida, do mundo e dos seres humanos se diluem sob a força implacável de suas
intocáveis verdades pétreas e perenes. O dogmático maniqueísta nada enxerga de
errado em varrer os meio-termos para debaixo do tapete da missão divina do
homem na Terra.
OC “exercita” um pensamento binário. Para
OC e assemelhados, não pode haver ambiguidades. Para o dogmático, tudo que é
inconclusivo significa fraqueza. Na vida, você tem de tomar decisões rápidas e
definitivas, sem direito a arrependimento. A vacilação pode ser fatal. Há que
tomar partido, mesmo que seja o errado. Para primitivos, nós supremos seres
humanos não somos diariamente tomados de ambiguidade. Não sofremos — mais, não
podemos sofrer — do mal da dúvida. Os OCs da vida nos querem unívocos. Execram
a inconstância e a dubiedade e às vezes a confusão e até a contradição com que
vagamos tontos à volta de nós mesmos e de nossas angústias. Nós, os que nos
recusamos à dádiva da nossa própria missão divina, não somos senão ratos a ser
espezinhados pelo tacão dos fortes enquanto eles marcham rumo à glória da
espécie.
Depois que Freud e seus principais
discípulos provaram que, ao contrário do que pensávamos, temos pouco controle
sobre o que nos rodeia em nossas vidinhas titicas e, sobretudo, sobre nós
mesmos, pensamento que é cada vez mais a base dum novo humanismo que vem
tirando o lugar antigamente ocupado pela religião e pelas crenças irracionais
que orientavam nosso comportamento antes da Revolução Industrial, é preciso ser
totalmente mentiroso para tolerar primários feito OC.
A dicotomia esquerda/direita morreu na
década de 50. Mais precisamente, seu cadáver começou feder em 56, quando
Kruchov expôs o morticínio que Stálin, movido pela fúria irracional dos que se
acham eleitos — nesse sentido, bem ao estilo do nosso querido pau-dágua —
levara a cabo em seus pogroms de extermínio em massa.
Até então, esquerdistas do mundo todo
ainda acreditavam que o comunismo seria a redenção da humanidade frente ao
capitalismo e suas injustiças. Quando a verdade começou a vir à tona, muitos
desses iludidos de “esquerda” se recusaram, também neuroticamente, a aceitá-la.
Por espantoso que possa parecer, vários continuam idolatrando Lênin e Stálin
como semideuses que não tiveram tempo de mostrar toda sua pureza (muitos desses
crédulos hoje ocupam altos postos nas administrações do poder Brasil afora e nos
sindicatos, de onde manipulam a massa de manobra para forrar as burras de
grana).
Foi preciso um peso-pesado da
intelectualidade, Sartre, reconhecer publicamente que tinha se enganado
fragorosamente quanto às virtudes do comunismo e do socialismo para que o
maniqueísmo e/d começasse a refluir. Décadas se passaram em que os órfãos de
Stálin ficaram sem poleiro para pendurar suas fantasias natimortas, até que o
pensamento binário morreu culminantemente com a queda do Muro de Berlim.
A queda do muro certamente não é um
evento tão momentoso quanto a própria Revolução Russa, mas tem importância
ímpar no século XX, pois que veio dar um fim formal e visível a uma era, a
Guerra Fria.
Depois disso todos sabem o que houve. Os
americanos puseram os pesões na lua, dizimaram comanches, apaches e asiáticos
os mais variados, amarraram Silver na paquímetro do Kremlin, viraram senhores
absolutos do Oeste e do Leste, todo mundo percebeu que o que interessa é ser
feliz, operários pelo mundo (menos no Berção) viram, gaios e felizes, que
estavam mais a fim de comprar um nike no chópin do que socializar as plantações
de cana em Cuba, etc.
A internet é a grande revolução não do
século XX nem do XXI, mas dos últimos TRÊS séculos. Daqui pra frente tudo vai
ser diferente, baby. Dentro duns outros tantos séculos, os estudos de história
dos nossos filhotes vão pular da Revolução Industrial direto para a Revolução
da Informação, sem quase nada in between. Toda nojeira e sangreira destes
nossos tristes velhos tempos, incluindo aí I e II guerras, valerão pouco mais
que um tostão furado.
Duvido que faça grande sentido falarmos
em direita/esquerda aos ditos nativos digitais desta década em diante, molecada
que já nasce sob os “milagres” online.
O lugar dos OCs é uma caverna. Como bons
neuróticos de índole totalitária, não suportam as diferenças e suas aflições
que tão inerentemente nos remetem à nossa própria insignificância e
fragilidade. Não toleram que haja mistérios. Para maniqueístas e afins, tudo é
certeza. É o tipo de obsessão totalitária que sempre leva a genocídios. A
assepsia — sobretudo a genética e a política — é ideia fixa, e extremamente
perigosa, na cabeça desses fanáticos. Gente normal, pacata, piedosa tem sua
cacholinha repleta de dúvidas. Quando mais não seja, a dúvida nos ensina a
tolerância.
OC é um frustrado que não encontrou o
espaço que tão ardente e sofregamente sempre buscou na grande imprensa. Vive a
pregar a Insidiosa Conspiração da Esquerda Mundial. Vê patologicamente
abantemas stalinistas atrás de cada poste. Em seus delírios mussolínicos, sonha
estar à frente da Grande Marcha que Vai Esmagar os Esquerdistas Debilóides e
Suas Fraquezas Pueris. Nada disso, meu capo. Somos apenas formiguinhas tontas
num formigueiros zanzando por este vasto, desolado espaço sideral. Infelizmente
desígnios não nos guiam. Não há nada escrito nas estrelas.
OC é tão filósofo quanto Marilena Chauí.
Ambos formam um simpático casal de pensadores vendidos à ideologia no cenário
intelectual do País. Poderiam juntar as trouxas, fazer uma cerimônia de
casamento sob o apadrinhamento dos fantasmas de Gustavo Corção e Mariguella, OC
envergando uma linda camisa de seda verde, MC trajando um vistoso uniforme
vermelho do MST. Depois passariam a lua-de-mel na Reserva dos Selvagens de
Huxley. Só órfãos desamparados que precisam duma mão forte a lhes puxar a pata
por caminho seguro e sem bifurcações se deixam engambelar por desvairados desse
naipe.