Missão no breu da noite paulistana
Fui expulso do Clube (certamente com toda a razão, sou um cara terrível, nem meus namorados me agüentam). Assim, recebi a missão de vir aqui (no bom sentido, claro) e postar essa pequena narrativa que se segue. Pfui.
Três horas da matina, estou mergulhado até os cornos no sono, entretido c'um moço que tem as pernas longilíneas do Leo Miggiorin, a voz suave e melíflua do Paulinho Vilhena, as curvas do Barrichelo e a inteligência da Hebe Carmago.
De repente um trrrrrrrriiiiiiiim rompe o pesado silêncio da madrugada.
Acordo assustado, me ergo na cama pingando suor. Ainda perdido nas névoas do estranho sonho, primeiro penso que é o corpo de bombeiros vindo me salvar do ornitorrinco. Num segundo momento me dou conta de que é o telefone.
Putz, detesto ser interrompido no meio dum sonho, mesmo quando, como é caso, se trata de pesadelo. Ainda que relutante, atendo, pois sou um rapaz polido e elegante.
-- A... alô... - balbucio, voz trêmula, me precavendo contra uma possível má notícia no meio da madruga.
-- Vem pra cá agora mesmo! -- a voz familiar vocifera e bate o telefone.
Esfrego os olhos, bocejo, acendo o abajur, olho em volta procurando as calças e a camiseta. Tenho ímpetos de soltar um palavrão, mas, como disse, sou um sujeito educado. Assim, engulo o impropério e me resigno. Fazer o quê? Fui eu mesmo que escolhi essa vida. Agora não adianta chiar.
Depois de me vestir e esfregar dois pingos d'água nos olhos para limpar a remela mais grossa, hesito se devo tomar pelo menos um cafezinho para lavar o gosto azedo da boca.
Melhor não, confabulo comigo mesmo. Pelo tom de voz, o boss não tá pra brincadeira. Vou é já, antes que ele ligue de novo. (Em geral, um segundo telefonema do boss significa rua, quando não punições mais... ã... pesadas.)
Saio, pego o elevador, desço, entro no carro, etc.
Chego ao prédio, que está todo às escuras, apenas uma janela acesa no terceiro andar. Um dos guardas ligua lá pra cima. Espero a confirmação. Eles recebem ordem de não anotar a placa do meu carro nem o horário da minha chegada. Mais uma missão secreta. Como sempre.
Subo ao terceiro andar. Medeiros, o ajudante de ordens, está a postos, me esperando.
Me dirijo a ele fazendo um gesto interrogativo com as sobrancelhas. Ele se limita a encolher os ombros e abrir as mãos espalmadas, sem saber do que se trata.
Paro diante da porta, aprumo o espinhaço, aliso a camiseta, dando uns petelecos numas casquinhas grudadas, raspo a garganta para a voz não sair desafinada ou fanha quando chegar a hora de falar.
Bato. Toque, toque, toque. Três vezes. Sinal de praxe.
-- Entre! -- a mesma voz do telefone ordena.
Obedeço.
Ao entrar, apenas faço um ligeiro gesto afirmativo com a cabeça, a título de saudação, e me ponho em posição de sentido diante da mesa do boss. Sem se dar o trabalho de responder ao cumprimento nem erguer os olhos dum documento que tem diante do nariz, ele vocifera:
-- Senta aí.
Obedeço de novo. Sento e puxo a cadeira de rodinhas, sem braços, para perto da mesa. Cruzo as pernas. Espero.
-- Olha, vou lhe dar uma missão importante. Importante, não. Crítica. Está ouvindo?
Ele sabe que estou, mas quer enfatizar retoricamente o peso das palavras. Anuo mais uma vez com a cabeça. Espero.
-- Não vou admitir erros. Está ouvindo?
De novo, anuo, tentando me acomodar na cadeira, meio sem jeito.
-- Sabe aquela comunidade do Clube Social na orkut?
Putz, detesto essa mania que ele tem de se referir ao orkut no feminino. Ninguém faz isso. Só ele. Só podia ser ele. Não sei pra que ficar botando banca de turco pra cima de mim. Bom, todo gênio é excêntrico. Faço de conta que não registro o fricote.
-- Claro -- digo em falsete, voz alarmada, me sentindo imediatamente uma anta por minhas pernas sempre tremerem quando estou na presença dele.
-- Você vai se inscrever naquele antro e cooptar o maior número possível de elitistas para as nossas hostes. Está ouvindo?
Não respondo. Me limito a sustentar o olhar implacável que me fulmina o rosto. Ou melhor, tentar sustentar. Em um segundo desvio os olhos para baixo e espremo os lábios, sem saber direito o que dizer.
-- Está ouvindo? -- ele interpela, agora em tom mais duro.
-- Claro, Serrão. Mas... é... é... ã... -- gaguejo.
-- É o quê? -- A voz dele fica ainda mais metálica e o olhar, ainda mais implacável.
-- É... bem... As mulheres também...? O senhor sabe, não sou muito bom em seduzir gente que usa saia e...
-- Oquêi! -- ele abana uma das mãos, me interrompendo. -- Só os homens, então.
-- E pode ser só os mais bem feitinhos de cara e de corpo? O senhor sabe, não me dou muito bem com canhão...
-- Oquêi! Oquêi! -- ele repete, me lembrando aquele rapaz que apresenta o big-brother. -- Relatório amanhã neste mesmo horário. Dispensado.
Me levanto da cadeira e saio. Já do lado de fora, solto o ar dos pulmões, aliviado. Putz, não é moleza encarar o homem de frente. Santa Mãe.
Bem, pessoal, essa é a minha história. Triste, não? Espero que as mulheres e os tribufus desta distinta comunidade não se melindrem quando eu começar a aliciar os fofos gatinhos elitistas para a concorrência. Não há de doer muito. Afinal, ceis entendem minha situação, não entendem? O Serrão é... bem, ceis viram o sufoco que eu passei.