Falando em isenção e imparcialidade

Me lembro direitinho de quando parei de assinar a Folha de São Paulo.
(Já escuto ao longe as imorredouras vozes da implicância que não me dão sossego >>> ih, lá vem o cara meter o sarrafo na FSP de novo. Pois é. Que culpa tenho eu se sou viciado nas melhores coisas da vida?)
Parei de assinar o Estadão e a Veja também (digo, não agora, agora não assino mais nada, faz tempo que cheguei à conclusão de que nenhum veículo de comunicação merece meu rico dinheirinho). Isso foi há tanto tempo, que os jornalistas dignos do nome ainda eram maioria nas redações.
Mas minha ruptura definitiva precisamente com Folha ficou mais vívida na memória porque era o jornal do meu coração, ai que dó. Fui assinante por umas duas décadas (do Estadão, idem), época e era do insubstituível Paulo Francis, e com o tempo aprendera a aceitar, embora de maus bofes, o raquitismo jornalístico, deliberado, dos Frias. Mas eis que o tutano do jornal foi minguando, minguando, até que puff! virou um desses gases que se desmancham no ar sem que você se dê o trabalho de notar. São tantos os mortos que vão ficando pelo caminho sem que a gente se dê conta, não é mesmo?
O que mais me irritava na Folha há vinte anos é o mesmo que me irrita hoje >>> a imparcialidade fingida.

A FSP sempre foi um jornal sem caráter. Ninguém (a cuja opinião eu dê importância, naturalmente) sabe dizer direito qual é a sua. Ao contrário de Veja e Estadão, que por uns tempos não tropeçavam hesitantes em defraldar bandeiras anti-esquerdistas em favor da economia de mercado — bandeiras que ora descem a meio-pau para que esses dois últimos bastiões da sanidade jornalística desabem miseravelmente na demagogia e no populismo. Bons tempos aqueles em que Estadão e Veja ainda desempenhavam a crucial função de ensinar aos brasileiros, que em sua maioria são adeptos do Pensamento Mágico, que 1) não há escapatória viável ao sistema capitalista, 2) sem liberdade não vale a pena, 3) o coletivismo imposto a ferro e fogo por tiranos desvairados sempre termina em necrotérios e cemitérios abarrotados.

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Artigo primoroso de João Pereira Coutinho hoje na inglória Folha de S. Paulo.

Coutinho é o único articulista em cujas linhas ouso passar os olhos hoje. Cultura sólida e não fraudulenta como a dos outros, visão histórica, ou seja, infenso à tralha de modismos que brota qual praga nas mídias e nas redes, e, acima de tudo, faz uso do cérebro, o que não é pouca batatinha. Como dizia aquele sujeito que inventou a vitrola, apenas pouco menos de cinco por cento das pessoas pensam.

Agora que a luz do sol volta a brilhar nesta parte do Hemisfério Sul depois do pesadelo de oito anos sob os delírios etílicos do reizinho mitômano e mais de cinco a padecer com as psicopatias da mulher mais inacreditável que já sentou e jamais tornará a sentar a bunda no trono presidencial, finalmente podemos apreciar nossos horizontes duma distância razoavelmente segura.

Articulistas, todos, deram o que tinham que dar. Uns, cheguei a pensar que sobrariam relativamente incólumes da refrega contra a barbárie lullopetista. Foram os casos de Demétrio Magnoli e Fernando Gabeira. O primeiro logrou obrar duas ou três peças valorosas de denúncia contra a quadrilha governamental, mas terminou por se perder na afetação estilística, evidência de inidoneidade de propósitos, e na confusão ideológica, prova de hesitação. Meu desencanto com Magnoli se cristalizou quando o próprio Coutinho o chamou pro pau a respeito dum texto em que o brasileiro botava toda a responsabilidade do impasse entre Israel e palestinos nos primeiros e o sujeito deu uma de joão sem braço. Pra quem, como Magnoli, vive botando banca de oráculo em matérias geopolíticas, foi uma retirada de campo vergonhosa. Conheci Magnoli nos idos dos anos setenta na USP e tudo de que me lembro dele é que vivia interrompendo as aulas alheias pra dar aquela típica discurseira estudantil inconsequente e fazer agitação política. Quer dizer, interrompia minhas aulas nas raras vezes em que eu estava longe do balcão do Bate-Pinga sorvendo uma das minhas hipergeladas kaipiroskas de figo com caqui.

O outro, bem mais consistente em termos de ideias e posicionamento político, também logo mostrou que, papagaiando a sentença de Paulo Francis sobre Clarice Lispector, não tem fôlego. Lembro que o próprio Gabeira reclamou desse tipo de cobrança quando lançou O grebúsgulo do Majo logo depois de O gue eh izo gombanhero? e a crítica caiu de pau choramingando que o segundo livro não espumava com a mesma verve do primeiro nem causaria o mesmo frisson nesta nossa dorminhoca cena literária. De novo, o próprio Francis, na ocasião, veio em socorro do mancebo que então passava a se banhar em Ipanema em sumaríssimo maillot rosa-pink, pra desgosto nada prolifilático dos esquerdosos de O Pasquim, à frente Jaguar e Ziraldo, aquele que não descansou enquanto não descolou uma pensão vitalícia às nossas custas por ter sido "perseguido" na ditadura, atitude devidamente ridicularizada pela insuperável mordacidade de Millôr: então não era ideologia, era investimento. Por falar em Folha, outro de seus colaboradores que também arrumou uma bela bufunfa mensal até o fim de seus dias pra se refazer dos tormentos da "perseguição" é o soporífero acadêmico Carlos Heitor Cony, de quem comprei dois livros há umas décadas e não consegui passar da segunda página.

Ainda na zona de rebaixamento, não poderíamos omitir o triste caso daquele que um dia despontou como o mais feroz combatente dos desmandos lullopetistas, só pra se revelar um vendido safado quando o desgoverno da psicopata aléxica já dava mostras de degringolar. Pra cúmulo dos cúmulos, hoje o dito vendilhão tem o descaramento de atacar Sérgio Moro e os rapazes da Lava-Jato que estão tentando higienizar a pocilga em que se transformou este país e fazer pouco dos que se manifestam nas ruas contra os políticos. Como bem sabem meus quase três leitores e dois-quartos, fui um dos primeiros escritores antipetistas a assacar o indicador teso e indignado contra o narigão torto desse pequeno jornalistão que aluga seu teclado aos pamonhas tucanos e, dizem as boas línguas, ao sr. Gilmar Mendes. Como ninguém me arrumou uma cadeira na ABL nem um púlpito na Veja, porém, não deu no Jornacional. 

Nem tudo, porém outra vez, são decepções.

A luta contra os abusos intoleráveis de lulla e sua gangue veio por trazer a lume um pregador do brio de Marco Antonio Villa. Dá gosto de ver seu ânimo vingador e denodo no Jornal da Cultura, dedo em riste contra a câmara, aplicando ao pinguço os apodos merecidos. E revelou também o mais fino estilista de todos que se enojaram com os despautérios lullistas, o escritor e articulista de O Globo Guilherme Fiuza. A primeira coisa que nota o leitor das crônicas de Fiuza é que o autor nunca, jamais apela pra primeira pessoa do singular. Ao contrário daquele manjado cabotino neurótico e deplorável que pretende ser a estrela única e incomparável dos próprios artigos e que sobe nas tamancas quando se vê alvo duma chuva de achincalhes.

O artigo de João Pereira Coutinho hoje na folha tem por título Argumentar com defensor de Fidel em 2016 é degradação do nosso intelecto. Pois é. Nem precisava desenvolver o tema.

Que pretendo desenvolver one of these days. Argumentar com defensor do peetê e de lulla depois de tudo é insultar nosso cérebro. Antes da eleição do vigarista, com perdão do pleonasmo, sindicalista, costumava pensar que esses caras deviam chegar ao poder. Só assim o povão teria a chance de ver de perto e sentir na pele a incompetência abissal dos esquerdistas que, tal como a maioria dos intelecas, habitam o reino da fantasia. (Quer dizer, a manada lá de baixo, a massa de manobra. A nomenklatura no topo sempre se dá bem, obrigado.)

Assistindo agora à ressurreição dos discursos e das declarações mentirosas de petistas e psolistas e comunistas e congêneres, se fingindo escandalizados com o governo Temer como se a inimaginável avalanche de erros econômicos e de falcatruas bilionárias daqueles treze anos tivesse sido obra do além, me dou conta, estarrecido, de que a máscara não caiu e nunca haverá de cair.

Daí, em parte, os articulistas soarem agora quase supérfluos. O uso da razão parece inútil. Todos, absolutamente todos os argumentos foram postos no tabuleiro, com a necessária propriedade, com a devida explicação. Citando o epitáfio de Lobão (o cantor, não o ministro de dilma), discutir com petista é como jogar xadrez com pombo, ele vai derrubar as peças, cagar no tabuleiro e sair de peito estufado cantando vitória.

Foi preciso um não-inteleca pra decidir a parada, um artista, um cara que, antes de pensar, sente. Vivo fosse, o conterrâneo de Coutinho Pessoa certamente emitiria palavras ainda mais lapidares para o túmulo desses zumbis putrefatos que se recusam a calar as bocarras babonas.

Murchos balões de gás a ganhar os céus

Stacatto

E Fernando Henrique Cardoso continua incansável em suas perorações inertes e inodoras na página 2 do Estadão.
Muito poucas coisas são ociosas como ex-presidentes escrevendo em jornal. Os absolutamente sem talento algum para função alguma qual Itamar consolam-se cuma embaixada mixa. Aos cujo único talento é simular que têm algum talento qual Sarney agraciam-se cuma cadeira na Academia Geriátrica de Letras. Aos com alguma vocação para alinhar coerentemente uma palavra atrás da outra qual Fernando Henrique brindam-se com colunas em jornal. (Embora Sarney, mesmo encadeirado na Academia, também tenha tido seu lugar ao sol na mídia, comprovando que uns exes são mais afortunados que outros.)
Esses tipos constantes na imprensa nos ajudam a compreender para que serve jornal. Qualquer periódico, de qualquer país, sofre duma esquizofrenia assoberbante: pretende-se uma janela através da qual leitores possam vislumbrar algo da realidade e para abrir essa janela escalam sujeitos que dedicam toda sua vida a enganar e/leitores. Para essa gente uma coluna em jornal sempre pode beneficiar uma carreira política em estado terminal. É o último osso dos esfomeados.
Depois de oito anos como homem mais poderoso do país em que produziu dois golpes, o da reeleição e o da manipulação cambial, que será que o cidadão teria ainda a nos dizer? Fico ali olhando meio espantado as fileiras de parágrafos ocupando meia página do primeiro caderno sem me atrever a ler sequer uma palavrinha. Meu, pra que serve um intelectual afinal?
Todos os artigos de Fernando Henrique Cardoso publicados na imprensa deviam ter apenas um título: Esqueçam que presidi. Esqueçam, esqueçam e esqueçam.
Fernando Henrique Cardoso é autor duma das maiores asneiras que um presidente gaiato — o que evidentemente é um pleonasmo; todos os que chegam à Presidência parecem perder a autenticidade como que por encanto — já cometeu. Fernando Henrique teria preservado a própria credibilidade e ainda poderia prosseguir com suas preleções, de que parece fruir especial prazer, se tivesse caído fora ao fim do primeiro mandato, ainda sob os efeitos da façanha de ter domado a inflação para que a Mãe Gentil pudesse pelo menos colher as migalhas da globalização. Deixando o barco correr, teria provado ser um homem de fato nobre. Não se conformou em simplesmente seguir as regras estabelecidas, contudo. Tal como qualquer fracote sucumbindo sob os mandos e desmandos do ego, se deixou inebriar da pompa imperial de todos que sentam no trono do Planalto. Poderia ter optado por sair grande da Presidência. Um grande homem talvez pudesse ter resistido. Aparentemente grandes homens jamais chegam a presidentes. A carreira política parece requerer uma paradoxal combinação da coragem pessoal e carisma necessárias para amealhar apoio durante a ascensão política e a limitação moral de omitir-se das responsabilidades e deveres ao chegar ao cargo postulado. Lulla é exemplo acabado dessa malfadada dicotomia. O espetáculo trágico ora encenado pelo Nunca-Antes e sua nauseabunda gana de poder eterno prova que a mais despachada amoralidade sempre ganha lugar privilegiado no gabinente presidencial.
A reeleição parida por Fernando Henrique e sua egolatria king-size trouxe uma penca de subprodutos nefastos, Lulla sendo o mais funesto. Esses subprodutos todos descambaram em fundo, feérico caos institucional. Não fez nem cócegas nas máfias de assaltantes, traficantes e autoridades corruptas país afora, não incomodou os congressistas que se limitam a discutir a distribuição de cargos e de migalhas na administração federal. Dentro dos partidos o tema exclusivo é quem vai ou quem não vai apoiar o impeachment da Louca Planaltina. Ainda como outro subproduto, o golpe da reeleição dizimou o potencial político de tucanos e afins, tirando-lhes qualquer autoridade para exigir de lullopetistas conduta ética ou o que quer que seja e com isso esfacelando a oposição e a possibilidade de resistência ao lullopetismo.
Eis o legado de Fernando Henrique Cardoso. Sua peroração no jornal contrista ao patético. Fernando Henrique só não perdeu a relevância porque o lullopetismo se encarregou de gerar o mais nefasto vácuo político da nossa história. Tal como Lulla em relação ao PT, FHC e sua vaidade imensa projetou uma sombra tóxica sobre seu próprio partido, impedindo que lideranças promissoras vicejassem, envenenando até mesmo a carreira política daquele que era o mais promissor quadro partidário do País, José Serra.
FHC começa agora a publicar seus diários baseados nas anotações que fez durante seus dois mandatos. Esse retorno ao ofício da escrita naturalmente significa que o ex-presidente anseia acima de tudo por ser lembrado, ao contrário de quando pediu aos brasileiros seus leitores, com reveladora sinceridade, que esquecessem o que escreveu. O pedido (ato falho?) talvez explique por que o presidente não agiu à altura do intelectual reconhecido internacionalmente e do grande sociólogo que é referência entre os brasilianistas do mundo. Ao renegar sua bibliografia tão logo tomou posse, FHC parecia estar desistindo de seus princípios teóricos para entregar a alma ao mais miserável pragmatismo político-eleitoral. Ao frustrar as esperanças de seu eleitorado, se deixou perder pelos mesmos descaminhos que hoje aponta naquele que pretende seu antípoda mas na verdade é apenas seu semelhante. E, ao se manifestar assídua e insistentemente contra o impeachment da presidenta estelionatária eleitoral, contrariando a vontade da maioria dos brasileiros, FHC mais uma vez joga seu prestígio político, que ainda guarda peso considerável entre os adversários do lullismo, na vala comum da politicagem. Hoje, provavelmente, ele ganharia o olvido sem precisar pedir.
Como todo e qualquer político desprovido de semancol que a editoria de jornalões embolorados escala para ocupar espaço, FHC continuará demonstrando que o “faça o que digo mas não o que faço” ainda é o lema preferido dos homens públicos  brasileiros.

Também quero ser presidente

Depois da Santa Constituição de 1988 viramos o país dos direitos. Todos os temos. Você, zebedeu, até eu. Deveres, os têm os outros (que somos nós em geral). Carinha entrou pra máquina, tá garantido pro resto de sua boa vida. E com direito a greve (que já faz logo no primeiro ano de emprego, por maiores salários e benefícios. E depois todos os anos). Se um de nós escravos fazemos cara feia, um juiz sempre de prontidão depressinha enfia o código penal na tua fuça, te ameaçando com cadeia se você não parar de incomodar os patrões.  O mais importante: emprego vitalício. Você pode não acreditar. Mas é verdade. E tem um exército de pensadores do sistema político prontos pra te ensinar por que funcionário público tem de ter emprego vitalício. Você concorda, lalarila-ri-rá. Ai de ti se não. Eles têm a proteção de todos os políticos, inclusive aqueles que se elegem prometendo que vão te ajudar a se safar do governo. E dos sindicatos e das corporações em geral, para os quais os políticos trabalham. Etc.
Se eu fosse presidente da República um só dia punha toda essa gente na roça. (Até eu mesmo poderia dar uma mãozinha na horta de vez em quando pra colher uns pés de couve pra feijoada.) Chamava o jornacional e conclamava o povo: vamos deixar de frescura, minha gente. O Berção tá caidaço e precisa de trabalho. Tem uns cem milhões lá fora muito longe de qualquer coisa que lembre mesmo remotamente civilização. Vamos dar duro. Os direitos a gente vê depois.
Os primeiros a pegar na enxada seriam os professores. Nada de trigonometria pra bugrada. Primeiro vamos aprender a ganhar o pão de cada dia. A saber qual é essa relação entre trabalho e progresso social. Vamos restabelecer a noção de merecimento  come quem sua e caleja as mãos. E aula teórica, só História, e do Brasil, e recente. E o primeiro turno na roça  das quatro da matina às duas da tarde  será dos professores universitários públicos.
O conceito de hierarquia e excelência subsiste apenas nos meios acadêmicos, pelejando encarniçadamente para preservá-lo intramuros, pois que a carreira dos professores depende cada centavo dele. Ao mesmo tempo eles lamentam ser incapazes de difundi-lo mundo afora, pois que se trata de conceito cuja disseminação não interessa aos políticos que controlam os cofres das universidades.
Em 1988 a Folha de S. Paulo descolou na Reitoria da USP uma lista, levantada a mando do reitor, de professores que não tinham publicado nenhum trabalho em dois anos. Os incluídos na lista foram apresentados como "improdutivos", no contexto pleonasmo para "vadios". A lista continha gente a dar co' pau, mais de mil nomes. Seriam todos vagabundos? Não, lalarila-ri-rá. Muitos dos acusados tinham publicado artigos no próprio jornal e, portanto, não poderiam ter sido chamados de improdutivos. Não é o mau-caratismo dos editores no episódio (jornalismo é sujo e só crianças acreditam em jornalistas, tão enganadores quanto os políticos) que é engraçado, mas o servilismo com que os "injustiçados" da lista continuaram a escrever no jornal. Quem seria doido a ponto de abrir mão dum palco tão privilegiado em que pode aparecer de graça para a comunidade acadêmica e para a plateia em geral? Mermão, podemos ser low-profile e escrever calhamaços bocejantes, mas não somos beócios.
Coachando nesse viveiro de astros e estrelas em constante entrechoque tentando se ofuscar uns aos outros que denominamos academia, os alegadamente desocupados chiaram algumas semanas, fizeram a típico cena do me-segura-senão-eu-capo e logo começaram obedientemente a voltar ao colo da magnânima Folha, exibindo à patuleia a erudição inútil em que são mestres. E o jornal prosseguiu forte e sacudido em sua epopeia mistificadora, impavidamente violando a cada parágrafo o próprio Manual de Redação lá deles, contradição intolerável mas compreensível a que os valorosos acadêmicos, sempre tão sagazes em identificar em herméticas obras alheias pérolas de sabedoria invisíveis ao resto dos mortais, fecham os olhos porque, qualé, somos bobos de perder a boquinha?
Como? Manchar o nome dessa gente tão perseverantemente industriosa? Desse "pensador" amigo de FHC a quem os mestres aclamam bajulatoriamente de filósofo, que provavelmente não constava da lista mas que deve ter ficado corporativamente indignado com a injustiça? Ou da doutora especializada em Espinosa, que tão magnanimamente defende o Berção sindicalizado hiperaparelhado contra o filósofo tucano em salutar e revigorante pêndulo ontológico? Ora, intelectual não vive de brisa. Precisamos ganhar o gordinho salário de alguns milhares de dólares às custas do povão esfaimado como o resto dos barnabés. Afinal, de que outra forma poderíamos dar palestras na Europa, fazer cursos em Oxford e visitar Paris duas ou três vezes ao ano para conhecer a última moda baudrillardeana derridante? Tudo bem pôr o dedão com anel de doutor nas contradições da abonada, modorrenta vidinha nas ensolaradas salas de aula do Butantã ou num narcoléptico ensaio empanturrado de hieróglifos em estilo branco-leitoso nas recônditas páginas dum suplemento dominical. Mas matar a Folha de ovos de ouro, só por sobre minha conta bancária.
Ler Derrida no Brasil deveria ser crime previsto na Constituição. Há criancinhas morrendo de fome, madame. Ler Derrida e obscurantistas que tais a operar diligentes o milagre acadêmico, motivo de gozo mediúnico para professores cujo maior tesão na vida é brincar de Wally, Onde Está a Verdade? não tem diferença de morar em favela por falta de peito para resistir à fúria do meio ambiente. Somos todos behavioristas. Ser brasileiro não é para profissionais.
A maior sacada dos ianques, que estabeleceram de vez sua supremacia sobre o resto do mundo, é que devemos/podemos viver nossas fantasias mais rudimentares em vez de ficar buscando uma verdade que não tem lá muita aplicação prática. As balas de Roy Rogers jorravam interminavelmente da garrucha não para fazer babar nosso pensamento mágico e sim pelo princípio de que nossa vontade deve prevalecer sobre as injunções da realidade. Nos encontrávamos para jogar bola no dia seguinte e debochávamos da "ingenuidade" dos gringos que se pensavam capazes de nos ludibriar com seus revólveres prateados de infinita munição: eles querem nos enganar mas nós é que enganamos eles fingindo que nos deixamos enganar.
Parece inútil querer viver sob outra lei que não a da fantasia onipotente. Nascemos, crescemos, amadurecemos e morremos cegos, voltados para dentro, obcecados por um ideal irrealizado e irrealizável, vendo nos outros o que não vemos no espelho, dando uma de bacana, puxa, gente mais insensata, bando de irracionais infelizes. Charles Bronson saca o M16, desfere iracundas rajadas para todos os lados, varre da face da Terra os miseráveis traficantes estupradores cujo única função no filme é ficar esperando a judiciosa bala no coração.
Mundo sem bicho-papão não vale. Se não tiver, invente. O Mal não pode ser sacana a ponto de não existir, deixando o Bem a ver navios. Que faríamos os mocinhos se os bandidos tomassem chá de sumiço?
Caracas, ainda bem que a União Soviética ruiu de fininho, senão a coisa teria ficado realmente, com perdão da impropriedade, afrobrasileira.

Chororô dum classe-média outrora crente no valor do trabalho

Meus olhos estão me enganando? Tirem essa imagem do Operário Nababo e seu palacete alado da minha frente. Me salvem das garras dos demagogos e suas esmolas de 15 reais aos esfaimados! Clemência! Não quero mais trabalhar 16 horas por dia para pagar salários de paxás públicos que ganham 20 vezes mais que eu, com férias que não tenho, com décimos-sei-lá-quantos que não tenho, com benefícios que jamais sonhei ganhar. Não quero mais escutar juiz defender direitos adquiridos de gente que sequer bate cartão. Não quero mais ver o sorrisinho brando e confiante e infeccioso de políticos assegurando que nossa democracia está no rumo certo enquanto parentes e amigos à minha volta perdem o pouco que têm, marchando direto para o buraco.

Intelecas progressistas, onde estão que não respondem? Votamos no homem por vossa causa, caras. Vocês, sendo amigos do Proletário Nubívago, alardeavam ao céu e ao mundo que bastava tirar do poder a tucanagem folgazã e entronizar o lullopeetismo, que o fisco nos daria algum alívio, que poderíamos finalmente trabalhar. E agora, chapas, que é que faço? De onde vou tirar dinheiro para pagar mais impostos, mais CPMF, mais “contribuições”? Cem milhões para salvar a empresa do amigo do rei, que já estava falida. Bilhões para Cuba, outros para Pasadena e mais tantos para ditadores africanos. Senhor secretário da Receita, vossa excelência aceita sangue? O meu é O positivo. Fazendo uma forcinha, posso doar mais meio litro por dia.

E a cordura da imprensa, vai durar para sempre? Caros donos de jornais, analistas, articulistas, pensadores, explicadores dos mistérios políticos, quando pego meu jornal, em vez dos soníferos arrazoados cheios de ponderações e números de todos os dias, quero ver CHEGA! estampado em página inteira, negrito, tinta jornalística escorrendo cáustica e feroz. Quero que meu jornal ao menos tente refletir a indignação dos que nos tornamos escravos dos duendes brasilienses. Esse partido que ora ocupa o planalto dando sinais de que não quer sair dele tão já, nós o elegemos por nos ter prometido mudanças para melhor. Nossa paga é um tapa na cara diário, um de manhã, um à tarde, outro à noite. Queremos ligar a tevê e ver CHEGA! Queremos sair na rua e ouvir as pessoas bradar CHEGA! Queremos o Movimento dos Brasileiros pela Sensatez Já. Queremos trabalhar.

Esperávamos – com uma ponta de amargo conformismo, reconheço – que a providência divina, num ato misericordioso, faria desembarcar no horizonte do Brasil a solução que nos livraria do Presidente do Apagão, do Monarca Esquecido, do Chefe do Malan, do Campeão do Marasmo, do Craque da Paralisia, do Roto da Voz-Macia. Brasileiros, nem tudo está perdido, nos animamos. E veio o Salvador e o Salvador tomou posse e num segundo se tornou o Operário Deslumbrado, Patrão de Dilma Rousseff, Boquirroto Esfarrapado, Presidente dos Postes.

E a nação vai assistindo extasiada às diárias demonstrações de amadurecimento político do lullopeetismo que, em seu doloroso mas incontornável processo de depuração ideológica, finalmente começa a se desfazer dos atrasados e incompetentes para que seus mais autênticos quadros possam ascender. Haverá de chegar o dia em que o Mestre da Fisiologia, num rompante da lúcida coragem que lhe é peculiar, exclamará em rede nacional: “Chega de intermediários!” para em seguida anunciar que Nicolás Maduro passará a ocupar o gabinete mais importante do Palácio do Planalto.

Chega de small talk politizado

Huxley temia que a verdade submergisse num mar de irrelevância. No talo. Pena que os grandes escritores não vivam 500 anos e os ruins não sejam abortados. Que teria Huxley a dizer sobre o oceano de irrelevância que transborda por todos os lados na internet?
Há nazismo na sociedade brasileira e quiçá mundial, só as formas fascistas mudaram, o discurso é o mesmo. É foda jogar termos cabeludos como nazismo a torto e a direito, sem destino certo ou justificativa contextual, no mais das vezes simplesmente para insultar quem discorda de nós. Nos debates que travam petistas e tucanos diariamente nos fóruns do Estadão e da Folha, nazista, stalinista e fascista são os xingamentos preferidos nos dois lados. A intolerância dá o tom e ninguém admite a, com perdão da originalidade, pluralidade das ideias. Fazem um debate fascista nesse sentido. Mas ser fascista num debate não torna, ainda, alguém fascista. Apenas prova que os debatedores estão num estágio primitivo de urbanidade e civilidade.
O nazismo dificilmente poderia ter nascido em outra sociedade que não a alemã. Quem quer que passe uns tempos na Alemanha e observe atentamente a gente de lá ficará assombrado com a disciplina e a lealdade com que eles seguem a lei. Tudo que se ouve sobre a rigidez germânica é absolutamente verdade. Ao contrário de nós, que vamos adaptando as normas segundo nossa conveniência para nos darmos bem sobre os outros, os alemães NUNCA aventam a hipótese de burlar a legislação, seja pelo que for. Quando algo escapa do previsto — e às vezes isso acontece —, eles ficam literalmente perdidos. Se angustiam ante o inesperado. Lá não existe o nosso famigerado jeitinho, que dia a dia dinamita as nossas relações sociais e nos mete neste caos insuportável em que vivemos.
Conhecendo a Alemanha, você passa a compreender Hanna Arendt ter dito, em Eichmann em Jerusalém, que o carrasco não teve culpa pelas atrocidades que cometeu, indignando judeus mundo afora. Como ela diz, Eichmann recebeu ordens. E para um alemão é inconcebível não obedecer ordens. A desobediência não existe no cardápio deles.
Tô ficando aléxico.
Nosso pensamento não morre. O meu anda sonâmbulo mas ainda não moribundo. Nosso pensamento está apenas, com perdão do chavão, anestesiado, sob gigateraquilhões da mais sólida, mais compacta irrelevância cibernética, como temia nosso esbelto quatro-olho Huxley.
Tem a raça essa espetacular tendência a não pensar. Como disse Pessoa, eles confundem pensar e sentir. O pensamento genuíno, aquele que brota como reação inteligente aos estímulos internos e externos e é regurgitado pela nossa cabeça na forma de criação e inventividade, está restrito aos círculos intelectuais distribuídos aqui e ali em fortalezas cercadas de fundas valas atulhadas de compêndios inacessíveis à patuleia habitadas por alquimistas hiper-eruditos a serviço do poderzão invisível que comanda os robozinhos de plástico, nós.
Até aí, não mudou muito ao longo da história. Os vassalos feudais se acreditavam sub-humanos ante seus senhores divinos. Só que agora, na chamada Idade Mídia, a vocação à vassalagem está totalmente exposta aos olhos do mundo e em vez de denunciá-la, queremos mais é curti-la.
Quando a internet eclodiu pra valer no início dos 90 bradamos alvíssaras. Era então impossível não ver esta fantástica máquina de informar como a revolução que viria enfim nos livrar da solidão das trevas disseminando conhecimento a qualquer um que tivesse uma tela diante do nariz. A mim me parece que o potencial informativo tá saindo pela culatra. A única coisa que vejo sendo disseminada até agora é anestesia em doses mastodônticas. Eu particularmente saudei o advento da internet como pelo menos um antídoto ao consumo mecânico da burrice posta à nossa disposição pela tevê e que ingerimos como se fora ambrosia, mas só vejo a burrice crescer em ritmo ainda mais intenso.
Os fóruns, que a princípio pareciam manás caídos do céu que adubariam o esclarecimento, viraram um fim em si mesmos. Fico pasmo que isso seja não só aceito mas, o que é o cúmulo, autoalimentado numa circularidade que bota a ciranda anestesiante emburrecedora a girar à vertigem. Uma vez um sujeito entrou numa das minhas postagens pra dizer que eu reclamava demais. Quis responder que estava apenas tentando ficar longe da geleia pasmacenta que tomam por discussão mas achei melhor ficar na minha. Dizer o que prum zumbi desses? “Desculpe, vou tentar não ser tão chato e guardar minhas opiniões pra mim mesmo na próxima”?
Estou repetindo esta arenga — e dando azo à minha chatice pela enésima vez — só pra lamentar que se o pensamento é o primeiro a sucumbir num fórum que se pretende intelectualizado, que dirá do “verdadeiro desfile de fantoches patéticos nos palcos bem diante de nossos narizes”?
Nós aqui, brasileiros do século 21, nos contentamos com o papel de expectadores do desfile dos fantoches grotescos porque saltamos todas as grandes e sanguinolentas revoluções que determinaram os processos civilizatórios ocidentais e moldaram os estados nacionais como são hoje na Europa e na América do Norte, fora México. O maior salto que sofremos foi o da Revolução Francesa, cujos desdobramentos civilizatórios não chegaram a estas plagas. A Europa nunca mais deixou de guerrear depois da queda do Império Romano. Os EUA tiveram de expulsar os ingleses e amansar os franceses no braço para em seguida cair numa das mais sangrentas guerras de todos os tempos, a da Secessão. Ao passo que nosso grito de independência três pontinhos.
Acompanhamos de longe, indiferentes e alienados, as reviravoltas sociais e políticas ocorridas a partir de 1789. Experienciamos os tempos modernos sem os assimilar. O Brasilzão da Região Central pra cima é um amontoado de capitanias hereditárias sob o jugo férreo de senhores feudais. Mesmo aqui no Sul há imensos grotões medievais, os ditos currais, em que o voto de cabresto ainda é decisivo. Minha empregada conta que a maioria de seus vizinhos renunciou definitivamente a trabalhar para ganhar o “direito” às bolsas-esmolas de Painho. Sequer chegamos ainda ao nível de civilização em que nos conscientizamos de que a única ferramenta que temos para mudar nossa realidade é o trabalho. Os protestantes sabem disso há pelo menos quatro séculos.
Daí nossa democracia não funcionar. Votamos em quem achamos que devemos votar mas baixamos a cabeça quando aqueles em quem votamos nos tiram o que é nosso. Como não passamos pela Revolução Francesa, ainda mantemos uma relação de senhor-vassalo com os que detêm o poder. Nos sentimos inferiores diante do guarda de trânsito, do médico, do funcionário público e de quem quer que tenha “autoridade” para montar em nosso lombo.
Isso não significa que a democracia em vigor nos países desenvolvidos seja resposta pra tudo. Para Nietzsche e Ortega y Gasset, a democracia seria o fim do primado da excelência e da inteligência. Mas qual seria o remédio? O mais tentado até agora tem sido o totalitarismo esquerdizoide que deu em gulags como URSS, Coreia do Norte e Cuba, pra ficarmos nos mais notórios. Prefiro a “enxurrada de porcarias que se veicula todos os dias na nossa cultura ocidental” — admito até que não vejo alternativa para boçais como Lula; afinal, pretendemos viver uma democracia —, aos manicômios estatais stalinistas em que a nomenclatura leva tudo às custas do povão. Aqui pelo menos a casta é de uns poucos milhões de privilegiados.

Coisa de coxinha

A chusma de zumbis pelegos deve estar feliz no cemitério brasil.
É só um comentário em passant, mas acho que ainda não sacaram que estão todos mortos, sacaram? Faz uns aninhos já. Podem se deitar na cova, não vai doer muito.
E o salariozinho aí na boquinha, chegando em dia? E dando muito duro, vocês? Cuidado que pode cair o braço.
Uma recomendação: tenham sempre em mente que a grana que sustenta cada um de vocês vagabundos e seus familiares que vivem coçando o saco é roubada ao povão lá fora.
Não se esqueçam, hein? Embora eu desconfie que a memória não seja a maior qualidade de quem existe só para roubar o Tesouro todo santo mês.
Pois é, cambada de mortos-vivos encostados no estado, vocês provavelmente nem imaginam mas a coisa tá preta. Ou ruça, pros mais PCs.
Viram só o desemprego? De setembro do ano passado a setembro deste ano um milhão e trezentos mil postos de trabalho foram pro saco. Legalzinho, né, ajuntamento de ladrões do Erário?
Em um ano. E olhem que isto é número oficial. Se é o governo que diz, então deve ser o triplo. E vejam que essa estatística deixa de fora milhões de brasileiros que desistiram de procurar uma ocupação faz um bom tempo.
Não sei se aí do lado de vocês acontece, mas eu pessoalmente conheço um montão de gente que nos últimos meses sofreu ao vivo e em cores a funesta expressão “ir pro olho da rua”. Metade do País tá meio que desesperada, sem saber o que vai ser do futuro. Tá todo mundo cortando alimentação, mudando para itens mais baratos ou simplesmente tirando uma refeição do dia. Fora comer, tudo o mais pode cair na categoria do “supérfluo”.
Lembram quando dilma vana enchia a bocona pra arrotar que agora brasileiro anda de avião? Hehehe. E mais: ainda tinha o desplante de mentir que a elite não suportava ver o povão em aeroportos.
Essa é pilantra mesmo, não é não? Honestidade intelectual é com a nossa grande presidenta mentirosa.
Aliás, honestidade intelectual é com os zumbis lullopetistas que palram palram palram aboborinha pensando que o povão vai lhes dar corda. Eita gentalha alienada, sô. Esses mortos-vivos da esquerdalha tão precisando urgente duma camisa de força.
Mas parar de voar até Miami pra comprar tranqueira até que não traumatiza tanto assim. O duro é quando o desastre econômico causado pelo lullopetismo atinge necessidades básicas.
Centenas de milhares de pessoas pararam de pagar seus planos de saúde. Agora vão cair... Putz, dói só de pensar... vão cair no SUS. É, aquele que segundo o igualmente grande lulla da silva chegou “quase” à perfeição, hehehehe.
Alguns de vocês zumbis pelegos já se tratou pelo SUS alguma vez? Ah, claro que não. Gente morta-viva fina usa o Sistema Sírio-Libanês de Saúde, não é mesmo? Aquele mesmo utilizado pelo Painho Ladrão Mor da República e pela Presidenta Mitômana.
E vocês sabiam que uma cirurgia no SUS pode ter até dois (2, two, deux, dos, zwei) anos de espera?
Quer dizer, em caso de emergência, neguinho estica as canelas. Mas, ao contrário de vocês lullopetistas zumbis, morre de verdade, ao invés de ficar em fóruns digitais tagarelando feito comadres mortas-vivas que não têm o que fazer da vidinha inútil.
E centenas de milhares de pais estão tirando seus filhos da escola paga, vejam só que maravilha. É, foi a presidenta anta que fez.
Ou seja, os sistemas públicos de saúde e de educação, que já estavam pra lá de falidos, passaram a receber uma carga incalculavelmente pesada de mais e mais gente. Daqui em diante é só notícia boa. Do jeito que a coisa vai, a gente é bem capaz de atingir o estado provedor tipo nórdico antes de 2020, hehehe.
Legal, né, penca de zumbis mamadores de estatais? Agora é que o povão vai sentir na pele, e na carne, o que significa votar num bando de pelegos vagabundos que prometem o paraíso e na hora em que o país inteiro tropica de boca no inferno botam a culpa nos outros. O povão, vejam só que gostoso, o povão está aprendendo o significado da palavra POPULISMO. Os zumbis lullopetistas pensavam que poderiam levar a gente brasileira no gogó indefinidamente. “Vamos dar uma esmolinha, que passamos a perna neles e ficamos no poder até cansar o rabo”, diziam entre si. Lembram quando o ínclito zé dirceu afirmou que o bolsa família ia garantir milhões de votos para o pt? Ou seja, ao invés de politizar o povão, vocês tentaram trancar os caras no maior curral eleitoreiro da história mundial. Antes de se eleger, o genialmente ilibado lulla reclamava que o povo brasileiro era muito despolitizado e só votava em coronel. Depois de eleito, passou a tratar os brasileiros como gado.
Mas pra vocês aparelhados nas dezenas de milhares de boquinhas estatais essas coisas não fazem diferença, não é mesmo? Estão aí na repartição, no departamento isso ou aquilo, na empresa essa ou aquela, na ONG que leva uma grana preta do Erário, no sindicato abarrotado de pelegos que vivem às custas do trabalhador privado... tudo de papo pro ar, tendo só o trabalhão de conferir o extrato bancário no início de cada mês. Eh coisa boa que é descolar uma sinecura. Tudo sempre azul. Vida sempre mansa. Preocupação, dor de consciência, só se for na hora de escolher a cor do carrão zero que vão enfiar na garagem.
Enquanto isso o Brasilzão aqui fora vai despencando no Abismo Lullopetista.
Mas que raio de Abismo Lullopetista é esse? os zumbis vagabundos poderiam se perguntar se tivessem cérebro e se estivessem vivos.
Bem, o Abismo Lullopetista é esse misto de incompetência, irresponsabilidade, dor de cotovelo mórbida, vocação para a vadiagem, total falta de caráter, pendor para a mentira e queda para o roubo e para o crime que compõem a alma lullopetista.
“Alma”, eu disse? Desde quando zumbis esquerdalhos têm alma?
Pois é, por mais estranho que pareça, têm, sim. Só que a alma do lullopetista pode ser carregada numa maleta e deixada em depósito num banco dum paraíso fiscal qualquer.
Se quiserem, podem chamar de pixuleco.
Quanto à alma verde e amarela, a chamada alma patriótica, ah, isso é coisa de coxinha...

Brasileiros de primeira e segunda classe

Vocês na certa se lembram duma tal de EPL, que é acróstico de Empresa de Planejamento e Logística. Há uns tempos escrevi sobre essa assombração.
A EPL foi criada em 2012 pelo Governo Federal como forma de concentrar o planejamento do trem-bala em uma só estatal.
Vocês na certa também se lembram que o famigerado trem-bala foi “esquecido” de fininho pela nossa valorosa Anta e seus cupinchas stalinistas. Não se falou mais no assunto (o que seria bom em outras circunstâncias).
Teria ficado mais ou menos por isso mesmo não fosse a nossa benfazeja EPL.
No annus horribilis de 2012 essa nova estatal foi fundada pela Gênia da Raça com, vejam só que modéstia, parcos 65 abnegados “servidores” públicos. Obviamente pensando nada mais, nada menos que no bem do País,.
Eis que, leio n’O Globo, com o projeto do trem-bala literalmente cancelado e a ideia de gastar incontáveis bilhões no trenzinho de brinquedo aposentada, a tal EPL hoje tem... Tchan tchan tchan... 161 barnabés! certamente dando o maior duro para ver se o Brasil desta vez deslancha. O jornalista d’O Globo ainda teve a paciência de comentar que o número de funcionários da EPL já chegou a 185, “mas foi reduzido pelo ajuste fiscal” au au au. E fez mais: foi pedir uma satisfação à EPL. E a empresa emitiu uma nota,  “explicando” que o aumento foi necessário para atender às demandas do Plano de Investimentos em Logística (conhecido por PiL, mas o acrônimo correto seria AI! AI! AI!).
Vocês também sabem que hoje dispomos de mais ou menos 600 mil incansáveis trabalhadores, encostados apenas na administração federal, dando o sangue pelos demais brasileiros. Não faço ideia de quantos cristãos temos em todas as repartições públicas sertão afora, incluindo as estaduais e municipais. Dois milhões? Cinco milhões? O chute é a serventia (epa!) da casa. Desses 600 mil, cerca de 144 mil foram adotados paternal e maternalmente de 2003 em diante, annus mirabilis da fantástica e triunfal entrada do lulopetismo no Palácio do Planalto.
Essa pequena quantidade de altruístas me comove às lágrimas. Trata-se de pessoas caridosas, filantropas mesmo, movidas tão-somente pelo ânimo de ajudar a família brasileira a galgar a pirambeira do progresso. Pois são esses benfeitores os responsáveis pelo Sistema Universal de Saúde, que finalmente atinge a absoluta perfeição depois de subir o estágio do “quase” definido pelo então presidente Lulla há alguns anos. Vocês todos estão cientes de que a ótima saúde do nosso povo hoje está nas mãos dos competentíssimos “médicos” cubanos – e nas garras dos igualmente piedosos hermanos Castros. E se ainda pouco fosse, Fidel e Raulzito nos cobram apenas dois bilhões de reais anualmente pelo empréstimo de sei lá quantos milhares de auxiliares de enfermagem, digo, profissionais da saúde. Bufunfa que a nossa presidAnta corre a pagar lampeira da vida. Essa é patriota ou não é?
Nossos nobres servidores públicos estão ainda a cargo da eficiente operacionalidade da azeitadérrima máquina de fazer justiça deste país-continente. Tá certo que às vezes um ou outro processo pode demorar até 12 anos para ser julgado, sendo que a média deve pairar aí pelos seis, sete aninhos. Mas quem tá com pressa, afinal, não é mesmo? Olha que a afobação pode elevar a pressão sanguínea e você é bem capaz de ir parar lá no... SUS. É isso que ocê tá querendo, é? E esses carinhas enfiados no Sistema Judiciário, pobres, são verdadeiros operários de Têmis, a deusa grega da Justiça. Só pra ter uma ideia, veja você que alguns magistrados, já envergando o lustroso e listrado pijama da aposentadoria, embolsam parquíssimos 180 mil reais todo santo mês. INCLUSIVE OS APOSENTADOS COMPULSORIAMENTE por medida disciplinar por terem enfiado as finas mãozinhas no bolso alheio. É uma judiação ou não é? Esses os que já penduraram a chuteira. Pois os ainda na ativa, além do contracheque farto, recebem castos benefícios como auxílio-creche por filho de até 6 anos, auxílio-educação por filho de até 24 anos na faculdade, 180 dias de licença-maternidade, 90 de aleitamento, três a cinco salários mínimos por adoção até o filho ter 24 anos, reembolso de consultas particulares, passagens de avião para tratamento de dependentes, 10% do salário para custear a saúde, até R$ 15 mil por ano para livros jurídicos e materiais de informática, tudo isso sem necessidade de apresentar recibos fiscais (fala a verdade, essa gente é de confiança, precisa comprovar nada não), etecétera, etecéétera, etecééétera.
E pela ribanceira vai, que descer é mais maneiro que subir. Na Segurança Pública temos um exército de policiais civis e militares administrativos que colocam suas ilustres vidas em risco sob o ar-condicionado de seus frugais gabinetes que recebem incontáveis mamatas e se aposentam com faustosos salários. Contam as más línguas que até pouco tempo as filhas de militares do Exército, da Marinha e da Aeronáutica não se casavam de papel passado porque na condição de solteiras podiam levar uma ligeira pensão mensal até o fim de suas existências produtivas e úteis para o idolatrado Berção.
Na Educação alguns professores de universidades públicas faturam até cem salários mínimos e também vestem o pijama com provimentos nas nuvens. Até ontem a maioria saía correndo para assegurar a vida boa já aos quarenta e poucos anos.
Quando a questão é Previdência Social, o ônus recai quase todo sobre os ombros do trabalhador privado. Até onde sei, os funcionários públicos se aposentam com salário integral e os brasileiros de segunda classe, os que não têm estabilidade no emprego, os que vivem à mercê dos humores e chiliques do livre-mercado, esses, em sua imensa maioria, são contemplados com a estupenda pensão de um salário mínimo, mais, muito mais que suficiente para cobrir suas necessidades básicas e ainda guardar algum para um ônibus até o centro no fim do mês para levar a criançada conhecer o Viaduto do Chá.
Além da delícia de ter um emprego praticamente vitalício – o sujeito precisa cometer uma asneira muito das colossais para ir pro olho da rua –, conceitos como meritocracia, excelência, qualidade de trabalho, competência e eficiência em geral passam longe do ambiente das “repartições”. O servidor público parece habitar um mundo estranho em que não é preciso mostrar serviço. Isso de agradar o cliente – no caso, nós que pagamos os salários deles – tá por fora. No funcionalismo o cliente nunca tem razão. E vai reclamar do mau atendimento numa delegacia, numa unidade de saúde, numa escola. Tu leva uma bifa no meio das ideias, que é pra largar a mão de ser besta. Não é à toa que em muitas repartições eles pregam aquele aviso ominoso: OFENDER FUNCIONÁRIO PÚBLICO É CRIME.
Nós, clientes dos funcionários públicos, devemos aprender muito cedo em nossas vidinhas ordinárias que eles formam a casta que em última instância manda em tudo. E em todos.
Manda, primeiramente, nos políticos. Ou você já ouviu um deputado ou um senador declarar que ia cortar as benesses dos marajás? Collor bem que tentou, e só por isso merecia uma estátua, mas acabou nos dando nada mais que um baita prejuízo, pois tivemos de indenizar os servidores que o caçador daquilo roxo tinha despedido. Mesmo dos marajazinhos, os picuás que estão lá em baixo na pirâmide, sem aquele salário de ministro do Supremo, mesmo esses estão com a vida feita.
E a casta manda também nos jornalistas. Ou você já leu algum deles escrever que o funcionalismo no Brasil é uma classe privilegiada, com muitos direitos e poucos deveres, que recebe tratamento diferenciado, em detrimento de 95% da população? Inclusive jornalistas tidos por direitistas como Reinaldo Azevedo?
Claro que não. Ninguém, literalmente ninguém tem peito para enfrentar essa que é a quintessência do corporativismo. Os barnabés têm a força!
E vai perguntar se eles são contra ou a favor da privatização das estatais. Não teria nem graça, não é? Mais estatais, mais vagas, mais concursos, mais barnabés. Tudo no lombo do brasileiro da segunda divisão.
E sabe qual é o mais engraçado de tudo?
O mais engraçado de tudo é que esses autênticos humanitários vivem em greve. E se alguém na administração pública alega que não há verba disponível para aumentar seus salários, eles botam as bocarras no trombone, armam piquete, fazem cena diante dos fotógrafos, batem os pés no chão de tanta raiva, descontam no coitado da segunda classe que de repente fica sem metrô ou trem, sem hospital, sem polícia.
Por essas e outras nos últimos anos uma nova legião despontou no horizonte: os concurseiros. A máquina não pode parar, é claro. Os que se aposentam, adoecem ou morrem têm de ser substituídos. Mas depois que lulla inventou a lorota de que o estado deve ser maior que a nação, prestar concurso virou profissão. Todo mundo e seu professor de cursinho quer descolar uma boquinha. A gente também é de carne e osso, certo?
Quanto a mim, sou, de fato. Mas devo acrescentar, até mesmo para deixar claro que esta minha indignada invectiva não é algum tipo de acerto de contas particular, que há alguns anos passei em dois concursos para bancos federais e no fim optei por não preencher a vaga. Além disso, trabalhei dois anos em empresa estadual onde poderia ter me efetivado mas não o fiz. Não o fiz porque fiquei enojado das pessoas que lá trabalhavam, quase todas adeptas da preguiça institucionalizada, e dos esquemas praticados por cada departamento. Um desses esquemas era o seguinte: em outubro de cada ano o chefe verificava que a dotação orçamentária daquele ano não seria inteiramente gasta até o final de dezembro. Então nos reunia a todos e explicava, “Caras, se não gastarmos o orçamento integral agora, ano que vem eles reduzem a verba, estão entendendo? Precisamos resolver a situação”. Aí nos dava a cada um uma lista de fornecedores e um montante a despender, lembrando, “Não se esqueçam de pedir nota fiscal!” E lá se ia a grana do contribuinte pelo ralo.
A cultura brasileira se deixou inocular por essa estranha praga que leva o sujeito a pensar que o estado é um ente abstrato, que o estado fabrica riqueza, que o pagador de impostos tem infinita capacidade de ser taxado e taxado e taxado para levar no lombo esse devorador de verbas e impostos. E não é de agora. Os personagens dos romances do século 19 em grande parte têm empregos públicos. Pelas obras de Machado e de Lima Barreto, por exemplo, desfilam generais, coronéis, majores e milicos em geral, cônsules, embaixadores, juízes a dar co’ pau. Tudo levando aquilo que esse tipo de gente costuma pedir àquele ser onipotente. Até mesmo o beau monde da intelectuália dava preferência a uma sinecura estatal que permitisse ao doutor das letras aliviar o peso da cruz. Entre os poetas, romancistas, cronistas e intelecas que duma forma ou de outra arrancaram uma prebenda pública temos Drummond, Paulinho Mendes Campos, Guimarães Rosa, João Cabral de Melo Neto, Lima Barreto, Machado de Assis, Vinícius, Sérgio Buarque de Holanda, Antônio Candido, Gregório de Matos, Mario de Andrade, Benedito Nunes, Ariano Suassuna, Celso Furtado, Euclides da Cunha, Manuel Bandeira, João Ubaldo Ribeiro, Murilo Mendes, Graciliano Ramos, ufa! E não ouse dar um pio que seja contra essa plêiade de barnabés. A própria crítica literária vê com muito bons olhos que essa gente arranje uma teta no estado para poder se dedicar a seus misteres artísticos na maciota. Em geral muito suor na testa atrapalha na hora de contar os decassílabos.
O grande arranca-rabo ideológico que toma conta da mídia e da imprensa e monopoliza a atenção de todos os brasileiros interessados nos rumos do País passa longe desta que é, para mim, a torcida de rabo da porca. Não avançaremos nas soluções das calamidades que nos assolam enquanto essa questão não for enfrentada. A recusa em discutir o papel – e o peso – do funcionalismo público no quadro econômico, político e social trava e continuará travando o debate. Lulopetistas e esquerdistas em geral têm os servidores como cúmplices, mais que simpatizantes. Eis mais uma razão por que a esquerda nunca, jamais será solução para nenhum dos nossos imensos problemas. E os ditos liberais, se é que o são de verdade, tremem de medo de botar o tema na mesa.
Resultado: parecem estar todos falando do sexo daquele serzinho alado que não tem sexo.
A elite à direita e à esquerda, ao lado do grande empresariado, da banca e dos políticos, é o funcionário público.
Na crise que ora atravessamos, das mais sérias das últimas décadas, milhões estão perdendo não apenas o emprego mas também bens básicos como suas próprias casas. Muitos perdem tanto o plano de saúde quanto a própria saúde. O barnabé, em contrapartida, apenas tem seus reajustes salariais postergados. E ainda choraminga.
E olha que a tal da EPL não tem nada de exceção não senhor. Parece ser é a regra. Dizem que atualmente nós pagadores de impostos labutamos mais de cinco meses a cada ano para carregar esse fardo nas costas. Os fanáticos agora querem ressuscitar a CPMF. Vê se tem algum barnabé fazendo passeata contra...

De escravos e livre-pensadores

Dia desses eu e Ulisses falávamos do mal que as ideologias, políticas e outras, fazem ao mundo. Mencionamos en passant como as pessoas que se deixam conduzir ideologicamente acabam escravizadas dentro da espiral do pensamento único. Não sei como o Aurélio define a palavra, mas tenho para mim que “ideologia” é uma forma de pensamento que exclui todas as demais.
Simples, não é mesmo?
No Delenda PT! escrevi pacas sobre o assunto. Criei este blog em 2006, auge da comoção que correu o País após as denúncias do mensalão e da polarização ideológica que se sucedeu. Os honestos já tínhamos sacado, desde as denúncias contra Waldomiro Diniz, então braço-direito de Zé Dirceu, que Lulla estava disposto a se manter eternamente no Planalto e para isso convertera seu partido, que outrora se dava ares de honrado e incorrupto, num eficiente bando de saqueadores do Erário. O plano era igualmente simples: roubar o Tesouro, comprar com o produto do saque deputados e senadores para obter sua fidelidade canina sem percalços ou riscos de defecções e se segurar no poder na maciota, sem conflitos nem armas (pois Lulla, além de safado, é um tremendo dum covarde e jamais botaria o pescoço a prêmio).
Em suma, um golpe de que a quadrilha sairia limpa e não emporcalharia as mãos de sangue. Bem ao estilo cordial preferido pelo brasileiro, que ferra todos que pode mas sempre com jovialidade e simpatia.
Desci uma borduna lascada na máfia travestida de partido político em várias dezenas de artigos, cravando uma pequena audiência de vinte a trinta leitores diários, que dobravam em dias em que fazia promoção em fóruns da Veja e de alguns jornais por aí. Até que um dia meu modesto leitorado começou a dar sinais de fenecimento. Logo saquei a razão: um longuíssimo texto em que metia bala no faroleiro profissional Diogo Mainardi.
Mainardi nunca me convenceu com as “análises” ligeiras e frívolas que publicava semanalmente nas páginas daquela revista que gosto de chamar de manual da classe média deslumbrada. Por anos foi o articulista mais lido da Veja e, como sói ocorrer com quem não dispõe dum caráter à prova de envilecimento, o sucesso logo lhe subiu àquele lugar que esse tipo de gente costuma deixar que suba. Mainardi cantava ridiculamente a queda de Lulla toda santa semana e quebrava tristemente a cara em seu papel de pitonisa e eu já parara de ler suas diatribes fazia tempo. Até que um dia fiquei sabendo meio sem querer que anos antes o falastrão havia montado um palavrório em que atacava fútil e mesquinhamente Carlos Drummond de Andrade. E qual fora o pecado imperdoável de Drummond ao olhos do vingador vejeano? Ter tido pendores socialistas na juventude.
Não me contive, obviamente. O cara que fosse ter seus ataques de estrelismo e prepotência em outra freguesia. E assim escrevi e postei o tal longo texto, carregado da mais fina mescla de furibundice e sarcasmo da blogosfera.
Foi esse o primeiro golpe na audiência do Delenda PT!
Mais ou menos um ano depois resolvi postar no blog um texto que escrevera ainda durante o último mandato de Fernando Henrique Cardoso chamado Um dia no Planalto. Se trata dum petardo literário satirizando o então presidente e sua proverbial, descomunal vaidade e a não lá muito forte propensão ao trabalho na administração do País.
Debandada geral. Dos vinte a trinta leitores diários sobraram dois ou três bravos guerreiros.
Como gosto de repetir pelo menos uma vez ao dia, meu papo é escrever. Não dei bola. E fui mais fundo. Resolvi botar pra fora a antiapatia cada vez mais aguda que sentia de Reinaldo Azevedo.
Fui leitor do blog do Azevedo por uns meses e umas duas ou três vezes o exaltei como a voz mais firme e dura contra a infâmia lulopetista. Até me dar conta de que Azevedo reescreve exatamente o mesmo texto todo santo dia sob formas outras. E por que faz isso? Porque tem uma plateia cativa, um grande público que o frequenta sabendo de antemão o que encontrará ali. Azevedo, tal como a imensa maioria dos que escrevem profissionalmente, não inventa nem surpreende. E nem quer. Os que o leem não buscam pensar e sim corroborar velhas opiniões que se cristalizaram ao longo do tempo. Azevedo, cabotino de marca maior, se autoproclama lógico a cada duas linhas que digita mas sua maior proeza está em não decepcionar seus leitores. É também lógica simplérrima. Mas seu maior assunto não é o lulopetismo, ao contrário do que poderia parecer, e sim ele mesmo. Azevedo é seu grande tema. Mais que jornalista, é um guru. Mais que guru, desempenha um papel messiânico que Lulla tem de sobejo e falta em virtualmente todos os oposicionistas do Pinguço Inflável. Os leitores de Azevedo não estão atrás de informação ou simples leitura; querem é um ser carismático que lhes satisfaça as aspirações de redenção. Eis a grande mentira de Azevedo. A cada parágrafo se autoclassifica de racional enquanto vai despejando toneladas de frases feitas e profecias e violentas injúrias antilulistas ao povaréu sedento de catarse e salvação. Azevedo é o líder político que os tucanos não sabem ser, o antilulla por excelência, o antípoda perfeito ao salvador da pátria. E tão demagógico quanto. E, pasme-se, populista tal e qual. Pois em seus textos Azevedo conversa consigo mesmo, se dividindo em dois personagens, um ingênuo que coloca perguntas constrangedoras de tão elementares, outro que responde paternal e lapidar, digno dum Oráculo de Delfos. Azevedo não se envergonha de se chamar pateticamente de Tio Rei, pois é o apodo “carinhoso” que grande parte de sua claque emprega.
De volta ao que interessa nesta postagem: a ideologia e como a ideologia mói o pensamento.
Ideologias são extensos cardápios que cada freguês escolhe ou por gosto ou por um outro critério qualquer que para mim sempre é arbitrário. Exatamente por que me escapa. A herdade, uma herança a preservar, a hereditariedade a seguir, tudo que já foi conquistado para nós em nosso nome e em nosso lugar bem poderia servir de começo de explicação. Mas o mundo concreto lá fora logo desmente razões dessa natureza. Ideologias parecem jazer no reino da simpatia. Por que o freguês opta por uma ou por outra, quer cedo, quer tarde na vida, é para mim um mistério. Conheço direitistas jumentos e direitistas brilhantes. E esquerdistas sagazes e esquerdistas asnáticos.
Quanto a mim, sou, pela enésima, eu mesmo.
Outro dia os jornais online alardeavam uma “declaração” de Rubem Fonseca. Parece que o autor de O cobrador fora à ABL receber um prêmio e estava explicando por que nunca se candidatou a uma cadeira naquele antro de fósseis. “Sou um homem idiossincrático e idiossincrasias não se explicam”, foi o que disse. Li a manchete mas não me interessei em ler o artigo. É patente, evidente, manifesto que Fonseca é idiossincrático e ele provavelmente estava apenas fazendo blague para jornalistas, pois nunca dá entrevistas.
Idiossincrasia é uma palavra cara para mim. Desde que me conheço tenho essa consciência vívida de não saber precisamente o que sou mas saber que definitivamente não quero ser como os outros. Muito menos ser o que os outros querem ou esperam que eu seja.
É um esforço contínuo e doloroso de autoexploração e autodescoberta. Atenção, não tentem isso em casa.
Automatismos me dão engulhos, mecanicismos me enfaram, pré-concepções me enjoam, ideologizados aversos ao pensamento vivo me dão sono.
Os pobres de espírito dividem o mundo em Marilena Chauí e Olavo de Carvalho, esquerda e direita, isso e aquilo. Quando você vai lá ver, é apenas um Coríntians X Palmeiras que nunca termina.
Eles querem é bater boca, xingar a mãe, se sentir importantes, se sentir “parte”.
Bom proveito.
Agora passo a palavra a quem entende do assunto.
Da supracitada discussão, Ulisses teve a ideia de escrever sobreUm inimigo do povo, de Ibsen. Falar de Ibsen no geral e dessa peça em particular significa tratar da figura do livre-pensador.





Ibsen e a figura do livre-pensador

Ulisses Razzante Vaccari
doutor em Filosofia pela USP, experto em Kant e Hölderlin e profe numa universidade federal do pedaço


Em Um Inimigo do Povo, o norueguês Henrik Ibsen decide encenar a trágica e indesejável figura do livre-pensador. Por meio dessa figura, realiza uma profunda reflexão sobre os temas da hipocrisia, da mentira e da democracia nas sociedades contemporâneas, procurando pensar o papel do governo, da imprensa e do povo nas esferas do poder.
Na peça, o livre-pensador é o personagem principal, o Dr. Stockmann, um médico responsável por cuidar da qualidade da água do balneário municipal de uma pacata cidade nórdica. Motivo de orgulho do prefeito e dos cidadãos, o balneário traz gente de todo o país em busca do efeito medicinal das suas águas, que inunda também os cofres da prefeitura. Um belo dia, entretanto, suspeitando da qualidade da água, o Dr. Stockmann resolve testá-la num laboratório. O resultado, como já se esperava, revela que a água vinha sendo envenenada pelos curtumes de algumas residências próximas ao balneário. Ao serem informados pelo doutor da notícia bombástica, os editores do jornal local A Voz do Povo põem-se imediatamente ao seu lado, reservando no periódico um espaço para Stockmann publicar um artigo trazendo à tona o fato, de interesse público. Mas o prefeito da cidade, que é irmão do Dr. Stockmann, logo se mostra avesso a essas ideias, alertando para o fato de que tal notícia espantaria os visitantes e levaria à falência tanto o balneário como a própria prefeitura e os negócios que dependiam dele. Insensível ao apelo do irmão de que seria preciso dizer a verdade, o prefeito alerta o Dr. Stockmann a não levar adiante a história, ameaçando-o de perder seu emprego e ter a opinião pública voltada contra ele.
Mas o Dr. Stockmann está obcecado com a verdade e pensa ser um dever moral revelá-la; está convencido de que o interesse pela verdade está acima dos interesses mesquinhos do prefeito e de uma minoria que pensa apenas no lucro. É um sonhador, um ingênuo ou um idealista, como diríamos hoje em dia. Nesse meio tempo, seu irmão, o prefeito, faz uma visita à redação do A Voz do Povo e explica aos seus editores as nefastas consequências que o artigo do Dr. Stockmann traria para a cidade e para o balneário. Aturdidos com a ideia da falência e da bancarrota geral, os editores do jornal viram a casaca num piscar d´olhos, e negam ao Dr. Stockmann o espaço antes prometido para seu artigo no periódico. A reviravolta soa tanto mais revoltante quando o leitor ou espectador da peça toma conhecimento de que eles não apenas se recusam a publicar o artigo do Dr. Stockmann, como, no seu lugar, publicam um artigo do prefeito, em que este calunia as intenções do irmão.
Apesar desse segundo golpe, proveniente do conluio da imprensa, que havia primeiramente se colocado ao seu lado de forma incondicional, com seu próprio irmão, o Dr. Stockmann está ainda mais coprometido com seus princípios. Pensa que os recentes fatos tornam ainda mais urgente a denúncia desse grupelho e de suas intenções enganosas, pois o povo precisa saber que a tão celebrada prosperidade da cidadela é falsa, fundada numa mentira! Nesse meio tempo, entretanto, o artigo do prefeito já havia sido publicado no jornal, difamando a figura do Dr. Stockmann ao espalhar a notícia de que sua intenção era destruir a sua própria cidade. Numa tentativa quase desesperada de conter as calúnias e ao mesmo tempo revelar a verdade, o doutor convoca uma assembleia popular, esperando esclarecer para as pessoas o “mal-entendido”. Mas, ao chegar à assembleia, Stockmann se depara com a presença do prefeito e dos editores do A Voz do Povo, que se põem a falar antes que o doutor pudesse se defender das calúnias que vinham sendo feitas a ele. Após acusado de louco e ser xingado e insultado pelos cidadãos agora tanto mais convencidos de sua insanidade, o Dr. Stockmann finalmente começa o seu discurso, espécie de clímax da peça, em que constrói sua teoria sobre a hipocrisia desse tão celebrado conceito de democracia.
Segundo o doutor (e aqui o leitor saboreia como nunca a verve crítica do próprio Ibsen), a democracia é uma farsa. Por trás desse conceito pomposo e promissor, a grande maioria é tanto mais facilmente manipulada pela meia-dúzia de poderosos que mandam e desmandam na cidade. E, assim sendo, se essa ideia de que a maioria escolhe o que é melhor para todos é uma farsa, uma tapeação, porque, no fundo, quem escolhe são sempre apenas os mesmos poderosos, que a manipulam, então essa maioria deve ser considerada inimiga da verdade e da liberdade: “O inimigo mais perigoso da verdade e da liberdade, entre nós, é a enorme e silenciosa maioria dos meus cidadãos. Esta massa amorfa”, afirma o doutor em seu tumultuado pronunciamento. As duras palavras, proferidas assim a seco, ofendem profundamente o público que, levando a assembleia ao caos geral, exige imediatamente a retratação do insano orador, ameaçando-o das formas mais inesperadas. Mas o Dr. Stockmann já não pensa mais nos males que essa sua atitude lhe causará; não está mais preocupado com sua família, nem com seu emprego, nem com sua fama nefasta. Pode-se dizer que encarnou a figura suicida do verdadeiro filósofo, do livre-pensador. Apenas a verdade interessa-lhe, a verdade nua e crua, essa mesma verdade que ninguém mais pode suportar. Recusa-se de pronto a se retratar pelo seu pronunciamento e assim quadruplica o já intolerante ódio dos presentes, desde o povo mais humilde até o prefeito e os editores do A Voz do Povo.
Ao fim e ao cabo, após um grande tumulto, a assembleia tem por bem declarar o Dr. Stockmann inimigo do povo. Humilhado e insultado, ele se recolhe à casa, que tem as vidraças apedrejadas. Despejado pelo seu senhorio, seus filhos passam a ser insultados na escola. O apego irrefletido pela verdade e pelos princípios, a atitude quase kantiana com a moralidade lhe sai extremamente cara. As pessoas endeusam a verdade, esse conceito abstrato e romântico, mas não a suportam. Esse mundo insuportável e insustentável da verdade, entretanto, é a casa do livre-pensador, o lugar ao qual ele pertence e o único em que se sente realmente bem a ponto de arriscar sua vida material para apoiá-lo, difundi-lo e sustentá-lo. E é essa figura que o Dr. Stockmann de Ibsen encarna, em sua forma mais crua e radical. Como todo livre-pensador, Stockmann não é ligado a nenhum partido, ao contrário do prefeito, cuja função na administração municipal consiste em defender o interesse dos banqueiros e investidores (no Brasil atual, esses investidores são os empreiteiros, que enriquecem com propinas enquanto as cidades transbordam de concreto). Mas a liberdade de Stockmann contrasta também com a promiscuidade da imprensa, pintada por Ibsen como espécie de maria-vai-com-as-outras, a tender para o lado que se mostrar mais favorável, mais rentável. E exatamente por isso, por não pertencer a nenhum partido, a nenhum grupo, o livre-pensador, detentor da verdade que ninguém quer ouvir, se torna o ponto mais fraco da corda, aquele que necessariamente sucumbe quando um embate desse quilate vem à tona. Ao ser oficialmente declarado inimigo do povo pela assembleia, Stockmann torna-se o bode expiatório, a figura ideal para a população como um todo despejar o ódio inconsciente acumulado por séculos e séculos de dominação e ultraje dos poderosos sobre ela.
Ao longo da história, a humanidade conheceu muitos livres-pensadores, artistas, cientistas e filósofos que, incapazes de apenas reproduzir uma ideologia, se comprometeram com a divulgação da verdade e pagaram um preço caro por essa decisão, que, no fundo, é uma vocação, um destino do qual não puderam fugir. Não podemos deixar de pensar aqui em Sócrates, ele próprio declarado inimigo público, segundo as autoridades de Atenas, por corromper a juventude. Podemos pensar em Galileu, condenado pela Inquisição a se retratar pela descoberta das manchas solares, contrariando claramente os dogmas da Igreja. Ou podemos pensar em Espinosa, excomungado por ambas as comunidades religiosas, a cristã e a judaica, esta última tendo sido suficientemente clara na sua determinação: “Pela decisão dos anjos e julgamento dos santos, excomungamos, expulsamos, execramos e maldizemos Baruch de Espinosa […] Maldito seja de dia e maldito seja de noite; maldito seja quando se deita e maldito seja quando se levanta; maldito seja quando sai, maldito seja quando regressa […] Ordenamos que ninguém mantenha com ele comunicação oral ou escrita, que ninguém lhe preste favor algum, que ninguém permaneça com ele sob o mesmo teto ou a menos de quatro jardas, que ninguém leia algo escrito ou transcrito por ele” (texto da sinagoga de Amsterdam de 1656).
Espinosa formulou um pensamento tão nocivo às duas ideologias dominantes, das quais fazia parte – a cristã e a judaica –, que teve de ser expulso de ambas. Se soar por demais peremptório e dogmático afirmar que foi excomungado por possuir a verdade, para além da questão da verdade, a ojeriza causada por pensadores desse calibre se refere antes ao fato de eles não comungarem de linhas de pensamentos determinadas, de nenhum padrão claro ou linha pré-definida. O que causa asco em todos esses casos – e aqui podemos pensar também na empreitada de Nietzsche contra o cristianismo e o proselitismo – é a liberdade de que gozam. É a rara liberdade com a qual falam o que pensam, sem se preocupar em agradar a este ou àquele lado da disputa, que constrange o que não é livre, que o ameaça em sua confortável posição, protegido que é por seus asseclas, por seus pares, que invariavelmente “pensam” como ele.
No fundo, aquele que defende uma ideologia – seja ela de esquerda ou de direita, cristã ou judaica – não pensa no sentido mais radical da palavra. O ideólogo apenas reproduz ou imita uma doutrina pronta, um leque de ideias que está sempre lá à sua disposição, espécie de manual ou repositório intelectual ao qual ele pode recorrer sempre que se vê em perigo. Com isso, ele se exime da responsabilidade de pensar e do que já foi pensado, protegendo-se das possíveis críticas na casca da ideologia. Geralmente, os ideólogos o fazem porque têm algum interesse em jogo ou porque têm algo a perder, como o prefeito ou os jornalistas da peça de Ibsen, colocando seus cargos e seu bem-estar pessoal acima do bem público, acima do interesse da maioria. Como diz o Dr. Stockmann em seu discurso, é por isso que a tão celebrada democracia é uma farsa. Em última análise, trata-se apenas de um conceito utilizado e difundido por uma meia dúzia de poderosos para manipular a maioria, que vota em quem eles determinam previamente, recebendo o suporte (e isso é o mais grave) da classe dos ideólogos, constituída por pseudopensadores e pseudoartistas em geral, pseudoprofessores e pseudojornalistas, todos interessados em tirar uma casquinha do poder, em participar desse oba-oba público-privado, localizado nas altas-esferas da sociedade, ao mesmo tempo em que desempenham papeis previamente esboçados na grande farsa, na tragicomédia da democracia.